12 DE MARÇO DE 1998 1599
O Sr: Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ªs e Srs. Deputados: De facto, é sintomático que a intervenção inicial tenha sido feita pelo titular da Justiça. Não está em causa a necessidade de regular o internamento compulsivo e que fique claro aqui que o PSD tem dito, desde o início, que, ao mudar o título da lei, o Governo estaria a contribuir para esse debate. De facto, o que estamos aqui a debater fundamentalmente é o internamento compulsivo e não a saúde mental.
A Lei de Saúde Mental, hoje em vigor, tem a bonita idade de 35 anos. Publicada em 3 de Abril de 1963, esta lei tem sido, até hoje, a referência e o texto mestre da política de saúde mental, que estes anos sobreviveu aos debates das diversas escolas de pensamento psiquiátrico, permitindo o livre desenvolvimento do pensamento, sem atitudes monolíticas em relação aos diversos métodos terapêuticos.
Trata-se de uma lei que, como a sua longevidade demonstra, é sensata, completa e em grande sintonia com o pensamento geral da época. Encarava já a saúde mental como uma área médica, em que a prevenção, o tratamento e a reinserção social do doente eram aspectos essenciais a ter em conta e tinha uma visão centrada no doente mental, a quem dava protecção e garantias.
Seguindo o modelo da época, e aí se foi progressivamente afastando dos conceitos integracionistas que iriam ser predominantes nos decénios seguintes, defendia serviços de saúde mental separados dos serviços de saúde, organizados verticalmente e independentes das outras áreas médicas, com grande componente asilar.
Apesar disso, foi uma boa lei, que conseguiu responder às preocupações que se foram levantando e ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, mesmo depois das constituições democráticas terem garantido direitos e liberdades inexistentes na altura da sua publicação.
Mas, precisamente porque o modelo centralizado, vertical e isolado estava ultrapassado e a execução de decisões terapêuticas podiam agredir os direitos e garantias do cidadão, foi-se sentindo uma progressiva necessidade de reformular a lei.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ªs e Srs. Deputados: É assim que, sobretudo depois de 1990, por iniciativa do Ministério da Saúde, se começam a realizar estudos, a organizar colóquios e a pedir a colaboração de inúmeros profissionais para se encontrarem e tornarem consensuais e exequíveis as bases de uma nova lei de saúde mental.
Não querendo ser exaustivo, apenas lembrarei que foi com esta orientação e neste ambiente que foi aprovado pelo Conselho de Ministros, na altura do Ministro Adindo de Carvalho, o Decreto Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, que faz integrar a saúde mental nas instituições de saúde ambulatórias e hospitalares e considera a psiquiatria como uma área especializada da medicina, embora, naturalmente, com as suas próprias características.
São, assim, os hospitais gerais dotados da valência psiquiátrica, os serviços de urgência dos hospitais gerais dotados de psiquiatria de urgência e os centros de saúde obrigados a estenderem a sua acção aos doentes psiquiátricos.
Dada a especificidade da saúde mental, haveria três centros de saúde mental no País, correspondendo às três zonas então existentes na organização administrativa da saúde em Portugal, com a manutenção dos hospitais psiquiátricos (Júlio de Matos, Miguel Bombarda, Sobral Cid, Covões, Conde Ferreira e Magalhães Lemos).
Com este decreto-lei, a organização dos serviços de saúde mental alterou-se profundamente.
É verdade que algumas situações tiveram dificuldade em ser consolidadas no terreno, por várias razões, nomeadamente por representaram uma mudança profunda no sistema e a insuficiência dos recursos financeiros disponíveis para a saúde não acompanhar as necessidades para a saúde mental.
Houve, igualmente, dificuldade em passar de uma situação de total autonomia para uma situação de articulação com o restante sistema de saúde.
Adaptando-se às novas necessidades e às novas possibilidades terapêuticas, a saúde mental reencontrou a medicina e a psiquiatria passou a ser valência dos hospitais gerais, a ter uma presença natural nos serviços de urgência dos hospitais e a articular-se com os centros de saúde.
Entretanto, foi criado um grupo de trabalho de revisão da Lei de Saúde Mental, por despacho de 10 de Novembro de 1993.
Durante 1994, o interesse e empenhamento dos psiquiatras nesta discussão era tanto e estava-se já tão próximo da aceitação geral de um modelo de serviços que se decidiu preparar uma Conferência sobre Saúde Mental, com a participação não só de numerosos e eminentes psiquiatras portugueses como também da Organização Mundial de Saúde e da Federação Mundial de Saúde Mental.
Os trabalhos preliminares de preparação dessa conferência foram presididos pelo próprio Director-Geral da Saúde e envolveram dezenas de especialistas, entre os quais gostaria de salientar, sem ser exaustivo nem exclusivo, os Professores Fernando da Fonseca, Barahona Fernandes, Vaz Serra, Paes de Sousa, Caldas de Almeida, Pacheco Palha, Pedro Polónio, Dias Cordeiro, Guilherme Ferreira, Mota Cardoso, Afonso Albuquerque, Francisco Pólvora, Emílio Salgueiro, Hugo Meirelles, António Loechener e José Manuel Jara, que também participaram activamente nestas discussões. a todos eles gostaria de render a minha homenagem.
Esse trabalho centrou a sua atenção sobre quatro temas, aqueles que deveríamos estar hoje aqui a debater: os princípios que fundamentam a organização dos serviços de saúde mental, o seu modelo de gestão e o seu financiamento e a eventual alteração de legislação, sempre que necessário.
Os resultados destes trabalhos foram considerados suficientemente consistentes e as conclusões dessa conferência foram aprovadas em despacho ministerial de 23 de Agosto de 1995.
Nesse despacho, determinou-se a criação de uma Comissão Nacional de Saúde Mental com competência para dar seguimento às citadas conclusões, nomeadamente quanto à necessidade de reformulação da política de saúde mental ao modelo organizacional.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Que fez o actual Governo? Depois da posse e com o argumento de que tudo o que o anterior governo fez estava mal feito, passou uma esponja sobre este assunto e todo este trabalho desenvolvido.
Um ano depois, a 23 de Agosto 1996, por portaria, o Governo criou um grupo de trabalho para a elaboração de uma proposta para a lei de saúde mental.
Não pensem, Sr.as e Srs. Deputados, que, com essa atitude, puseram em causa orientações e decisões de um governo do PSD, não é isso que nos preocupa.
O que o Governo pôs em causa foi um trabalho de muitas e muitas pessoas que acordaram, de uma forma consensual, a abordagem de um problema, pessoas essas