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1822 I SÉRIE - NÚMERO 54

A este propósito, gostaria de referir o seguinte: constitui uma preocupação no âmbito da Organização Nacional de Transplantes o facto de, tendo Portugal uma posição relativamente confortável em relação ao número de colheitas/milhão de habitantes, neste momento estarmos numa situação relativamente estacionária. Quer isto dizer que não temos crescido em termos de capacidade de colheita de órgãos, o que pode significar o mesmo que em outros países, ou seja, a seguir à estabilização, a tendência foi para um decréscimo dessa capacidade de colheita. Daí a imprescindível idade de garantir que nas unidades de cuidados intensivos haja uma inequívoca e clara definição dos critérios de verificação da morte, para que se possa intensificar a colheita a nível dessas unidades e, assim, garantir a capacidade de vida para doentes em situação extremamente grave e que sem essa capacidade de colheita de órgãos não têm qualquer hipótese de sobrevivência.
É com a conjugação destas duas preocupações que esta proposta de lei foi elaborada e é apresentada à apreciação dos Srs. Deputados.
Sr. Presidente, nesta altura não acrescentarei mais à minha intervenção, uma vez que terei de responder a algumas questões apresentadas pelo Plenário, por isso, se o Sr. Presidente achar adequado, guardo o tempo que me resta para as respostas indispensáveis.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Sr.ª Ministra da Saúde, devo dizer que me surpreendeu muito e me decepcionou a formulação do n.º 3 do artigo 2.º da proposta de lei. Decepcionou-me por tudo aquilo que já está adquirido, por já termos a Lei n.º 12/93, que fala na morte cerebral. Por isso mesmo, gostaria de colocar algumas questões.
Em primeiro lugar, pergunto se a referência à cessação irreversível das funções cardio-circulatória e respiratória é o acolhimento do conceito tradicional de morte ou se há um eufemismo, uma vez que a palavra «irreversível» apontará para que, de facto, a morte não se considere verificada com a cessação dessas funções mas, sim, com a morte do encéfalo. Gostaria de saber se é ainda uma cedência a um conceito tradicional, que já nem o senso comum nem os cidadãos têm assimilado, porque já consideram que, de facto, a morte cerebral é que marca o início da morte, ou se é um eufemismo, e, se assim for, não se percebe por quê. Aliás, se isto são apenas os sinais de morte e não a marcação do momento em que ocorre a morte, então, falta aqui muito mais, porque faltam todos os outros métodos de diagnóstico que, somados a esta cessação de funções, podem dar como certa a morte. V. Ex.ª saberá muito melhor do que eu, porque tem essa área a seu cargo, que em simpósios internacionais até já foram referidos casos de cessação destas funções em que, afinal, vem a verificar-se que as pessoas ainda estavam vivas. Portanto, este critério tradicional não serve, nem serve às angústias mais profundas dos cidadãos que perpassaram através dos tempos.
A segunda questão que lhe coloco, ainda em relação a este artigo 2.º da proposta de lei, tem a ver com algo que gostaria de ver definido com precisão. Fala-se aqui na cessação irreversível das funções do tronco cerebral, e depois, entre duas vírgulas, está «morte cerebral». Ora, o conceito de morte cerebral não é só correspondente à cessação das funções do tronco cerebral. Também a este respeito há um debate, que continua a manter-se entre a comunidade científica internacional, do qual decorre que alguns - e penso que é em relação a este conceito que se verifica um consenso muito grande, de todos - referem que deve considerar-se como verificação da morte a morte do encéfalo, ou seja, a morte do encéfalo como um todo, que na linguagem e nas siglas usadas se chama whole brain; há outros que preferem, e então isso corresponderá à morte cerebral, o conceito da morte do tronco cerebral (e são menos); e há ainda os últimos, que dizem que a morte se verifica com a perda da consciência da pessoa através da cessação das funções do córtex.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Por isso, pergunto: o que é que aqui está? Qual destes conceitos é aqui acolhido? É o da cessação das funções do tronco cerebral? É o da morte do encéfalo? O outro não é, porque não decorre daqui. Gostaria que isto ficasse explicitado neste debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, estão ainda inscritos os Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e Maria José Nogueira Pinto. A Sr.ª Ministra pretende responder já ou no fim?

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, é sempre importante salientarmos nestas ocasiões a colheita de órgãos e a benfeitoria que esse facto implica para pessoas que, muitas vezes, têm como perspectiva de vida ligarem-se às máquinas três, quatro ou cinco vezes por semana, durante duas ou três horas. Portanto, toda a pedagogia nesta área é importante, já que há a grande necessidade desta colheita.
Gostaria de colocar-lhe duas questões concretas, Sr.ª Ministra.
Uma delas já foi ligeiramente abordada pela Sr.ª Deputada que me precedeu, e está relacionada com a razão da manutenção da dualidade de critérios de morte, ainda por cima quando no texto vêm separados pela partícula «ou». Gostaria de saber por que razão isso acontece. Também eu penso que se está a andar um pouco para trás, até porque os critérios de verificação não são só estes, há um conjunto de quesitos, nomeadamente condições prévias, regras de semiologia e o método dessa verificação. Portanto, penso que estariam garantidas todas as condições para não haver grandes razões para esta manutenção de dualidade.
A segunda e última pergunta tem a ver com a perda de capacidade normativa da Ordem dos Médicos nesta área, uma vez que vai passar a estar sujeita à aprovação final do Governo, a esta atitude final, que, neste momento, é da Ordem dos Médicos, ouvido, naturalmente, o Conselho de Ética e Ciências para a Vida. Nós também não compreendemos a razão de ser de esta passar a ser mais uma atribuição do Governo.