O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1822 I SÉRIE - NÚMERO 54

O processo de verificação da morte compete ao médico, a quem, no momento do óbito, está cometida a responsabilidade pelo doente ou que, em primeiro lugar, compareça nessa situação. Cabe-lhe a tarefa de elaborar um registo sumário que compreenda a identificação da pessoa falecida, indicando se foi feita por conferência de documento de identificação ou informação verbal; o local, a data e a hora da verificação e demais informação clínica ou observações eventualmente úteis, e ainda a identificação do médico pelo seu nome e pelo número de cédula profissional. Este registo sumário, quando efectuado fora de estabelecimento hospitalar poderá ser efectuado em papel timbrado do médico, ou outro, devendo, eventualmente, ser entregue à família ou à autoridade, se estiver presente nesse momento. Exige-se, por razões de segurança médica, que no caso de morte cerebral a verificação seja efectuada por dois médicos em conformidade com o regulamento elaborado pela Ordem dos Médicos.
Pela nossa parte, queremos vincar a nossa opinião de que o diploma em apreciação é bastante linear e simples quanto ao seu objectivo último, sendo que a sua mais valia reside na autonomização e valorização dos critérios de verificação da morte. Parece oportuno referir e demarcar com alguma preocupação os limites entre eutanásia e prolongamento artificial da vida, para que não se confunda, sob a capa da eutanásia, um problema que lhe é de todo estranho.
Sublinhe-se ainda que a determinação exacta do momento da morte é também muito importante quando está em causa a sobrevivência de terceiras pessoas. Tem sido geralmente aceite que a morte é um processo biológico e a sua definição fundamentalmente um problema médico. Não há dúvida, porém, de que sempre que os conceitos médico e legal não coincidem, este último prevalece, em questões como as do início da ressuscitação, interrupção dos meios de reanimação ou outros, actos ou omissões possíveis poderão criar situações delicadas para a saúde.
Os critérios estabelecidos na proposta em causa são suficientemente objectivos e claros, e a sua publicação deverá efectuar-se na I Série do Diário da Assembleia da República, porque a iniciativa é globalmente positiva e meritória para justificar o voto favorável do PS, devendo, na análise em especialidade, merecer o devido consenso dos demais grupos parlamentares.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs e Srs. Deputados, antes de prosseguirmos o debate, quero assinalar a presença nas galerias de vários grupos de jovens estudantes que vêm assistir aos nossos trabalhos: um grupo de alunos da Escola Secundária de Belém-Algés, um grupo de alunos da Escola Secundária de Alvide, de Alcabideche, um grupo de alunos do Colégio Manuel Bernardes, de Lisboa, um grupo de alunos da Escola Secundária Diogo de Gouveia, de Beja, e também um grupo apreciável de cidadãos, aos quais tenho o maior gosto em dirigir as nossas saudações.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Saúde: Em 1993 a Assembleia aprovou a Lei n.º 12/93, relativa aos transplantes, na qual se quebrou o silêncio legislativo, consagrando-se o critério de morte cerebral. Tal consagração não foi mais do que a aquisição de um padrão que já era corrente, como o reconhece o parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 74/85, publicado na II Série do Diário da República, de 26 de Novembro.
Na verdade, com os avanços da medicina na prestação de cuidados intensivos, o critério da morte cerebral foi substituindo, mesmo no senso comum, o critério tradicional da paragem circulatória, cardíaca e respiratória. Este novo critério resultou de um debate permanente desde o momento em que o Comité Harvard, em 1958, suscitou o problema, tendo-se seguido o estabelecimento pela Harvard Medical School dos critérios de morte cerebral total. Depois disso, legislações de vários países foram substituindo o critério tradicional de verificação da morte pelo critério de morte cerebral. De tal maneira que pode concluir-se que a conclusão da comunidade científica se apoia num consenso legal e ético de que, se todas as funções cerebrais estão mortas, o ser humano está morto. Porque, se todas essas funções estão destruídas, não existe respiração espontânea e a paragem cardíaca ocorre em breve espaço de tempo.
Entre os mais resistentes (esperava que não fosse Portugal!) à aceitação deste critério, encontra-se a Dinamarca - que só muito recentemente aceitou na legislação a coexistência dos dois critérios - apresentando, em consequência, baixas taxas de transplantes. Clara demonstração de que o conservadorismo, nesta como noutras matérias, restringe o acesso aos cuidados de saúde e aos extraordinários avanços da medicina. Mas até o Japão, onde, por motivos religiosos e filosóficos, não se procede a transplantes (pelo menos, até agora), anunciou há poucos meses a aceitação do critério de morte cerebral em simultâneo com o critério tradicional. Muitos outros países rejeitaram entretanto o tradicional conceito de morte e produziram legislação identificando morte com a cessação irreversível de todas as funções do encéfalo. Como acontece com a Lei n.º 578/93, de 29 de Dezembro, da Câmara dos Deputados e do Senado da República Italiana (e o Governo deveria ter olhado pelo menos para essa lei, para não falar da francesa e de outras, porque com certeza teria produzido uma proposta de lei bem mais perfeita do que aquela que apresenta), que salienta, no seu artigo 2.º, que a paragem cardíaca e a cessação das funções respiratórias e circulatórias são sinais - e não critérios - de morte apenas quando tenham determinado a perda irreversível de todas as funções do encéfalo. Mais uma vez, a reafirmação do critério da morte cerebral, constante do artigo 1.º da lei. Como acontece, aliás, também no Código de Saúde Pública Francês (que o Governo também poderia ter lido), que estabelece que a paragem cardíaca e respiratória persistente não são só por si sinais de morte suficientes, devendo ser acompanhados, para a certificação da mesma, da verificação da ausência total de consciência e de actividade motora espontânea, da abolição de todos os reflexos do tronco cerebral e da ausência total de ventilação espontânea.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - É o que diz a Ordem dos Médicos!

A Oradora: - Mas não o diz a proposta de lei, Sr. Deputado. Leia-a bem! O n.º 2 do artigo 2.º é o mais perfeito exemplo do que não se deve fazer numa questão como esta, tão sensível às pessoas.