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5 DE FEVEREIRO DE 1999 1625

ma cívico, não deixando nunca de exercer um qualquer direito de cidadão
É este, Sr. Presidente e Srs Deputados, o cidadão extraordinário que hoje honramos e recordamos, e só me resta desejar que, amanhã, não o tenhamos de novo esquecido Garrett merece ser, neste Parlamento, uma presença diária e um exemplo de todas as horas, acima de tudo pelo incomensurável legado de virtudes cívicas que nos transmitiu
Tal como ele, não recusemos nunca o exercício de um direito de cidadão Se o fizermos e não esquecermos os nossos direitos de cidadão, engrandecemos a Pátria, a Liberdade e a Democracia

Aplausos gerais

O Sr. Presidente: - Em representação do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da Republica, Sr. Ministro da Cultura, Ilustres Convidados, Srs Deputados Garrett não foi só um romântico, foi ele próprio um romance, como o demonstra o excelente livro que sobre ele escreveu o embaixador José Calvet de Magalhães Um romance que desmente um dito de Octávio Paz muito em voga nas universidades o de que os grandes poetas não têm biografia, só têm destino A biografia de Garrett confunde-se com a História de um século que ele marcou como ninguém E o seu destino é singularíssimo, porque rima com o destino do seu próprio país A escrita e a vida nele são inseparáveis E ele e, por excelência, o modelo dos poetas e escritores que, em diferentes circunstâncias históricas, fizeram da sua pena uma arma para combater a tirania e lutar pela liberdade
Quando, frequentemente, me perguntam como e possível conciliar a poesia e a política, apetece-me sempre remeter para Garrett - «O Sr. João Baptista (da Silva Leitão) de Almeida Garrett, Deputado da Nação portuguesa, do Conselho de Sua Magestade, fidalgo cavaleiro da casa real, ex cronista mor do remo, bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra, cavaleiro da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mento comendador da Ordem de Cristo e oficial da de Leopoldo na Bélgica, Juiz do Tribunal Superior de Comercio, enviado extraordinário e Ministro plenipotenciário de Sua Magestade ex Inspector Geral dos Teatros, sócio de varias academias nacionais e estrangeiras, nasceu na cidade do Porto a 4 de Fevereiro de 1802»
Assim começa a autobiografia pelo seu próprio punho redigida e em que curiosamente, o poeta altera a sua data de nascimento talvez para ficar três anos mais novo

Risos gerais

Guia de uma época, lhe chamou Teófilo Braga Veio o ano de 1820 e com ele a Revolução de 24 de Agosto E logo, no fim desse ano, Garrett, antecipando de um século e tal o nosso Alberto Martins,

Risos gerais

declamou na sala dos Capelos da Universidade de Coimbra «uma espécie de ode ou discurso em verso, saudando e celebrando o triunfo da revolução» «Fiel à causa da liberdade - dirá de si mesmo - tem-na seguido em todas as suas fortunas, escrevendo por ela no gabinete, orando na tribuna, gemendo em voluntário exílio, pelejando, mas cantando-a sempre em seus versos».
Sabe-se que, na sua juventude, foi preso por fazer parte de uma associação secreta que, entre outras coisas, reivindicava a independência do Brasil. E quando esta é proclamada, logo ele a exalta numa ode intitulada O Brasil Liberto, em que escreve estas palavras, verdadeiramente extraordinárias e carregadas de futuro «Lá vai, lá surge em terra, avulta e cresce. A lusa liberdade»
Nos anos 60 deste século ter-lhe-iam, possivelmente, valido outra vez a cadeia
Forma-se em leis em 1822, mas não pode seguir a carreira de magistratura judiciária por ainda não ter a idade requerida. Entra para a Secretaría de Estado, com o intuito de vir a ser, como diz, «empregado na diplomacia» Fixa-se em Lisboa, mas, conforme confessa, «nem as suas novas obrigações, nem as distracções da capital puderam impedi-lo de se ocupar de literatura» Já então havia composto O Retrato de Vénus Em Lisboa, escreverá a tragédia Catão E quando, em 1822, morre Fernandes Thomaz, perda que, segundo Garrett «todos os liberais lamentaram como verdadeira calamidade pública», é ele quem, membro da Sociedade Patriótica, fará, na sessão solene, o elogio fúnebre do revolucionário
Por duas vezes trilhará os caminhos do desterro A primeira em 1823, findo o período constítucional No mesmo dia em que D João VI sai para Vila Franca, Garrett parte para Inglaterra Aí viverá e tornará contacto com os modernos autores ingleses Em 1824, acabados os recursos, consegue um emprego na casa Lafitte e estabelece residência em França, no Havre Compõe o poema Dona Branca e grande parte do Camões, obras que, segundo ele próprio o dirá «nacionalizaram e popularizaram a poesia» Regressado a Portugal, funda um jornal O Português Sem basófia, diz «foi seguramente o mais popular que se tem escrito entre nós» Funda também O Cronista, semanário de literatura e política Redige, por ocasião das eleições, A Carta de Guia para Eleitores Com a sua conhecida modestia, sublinha «Foi outro escrito que lhe granjeou muita reputação naquela época» Mas logo acrescenta «Não era de esperar que tão poderoso antagonista do absolutismo deixasse de ser alvo do ódio desse partido».
É, de facto, não deixou Com o advento do absolutismo miguelista, «Garrett foi dos primeiros que saíram a foz do Tejo em demanda de Londres».
Mas abandonemos por agora esta autobiografia que poderia ser uma espécie de guião, redigido por Garrett, para um filme sobre a sua própria vida. Filme que, aliás, se poderia e falta fazer Como aconteceu com muitos vários outros exitantes, em outras épocas históricas, é no desterro que Garrett e Herculano vão, de certo modo, descobrir, redescobrir e repensar Portugal É aí que, sob a influência do romantismo inglês e das novas ideias, eles fundam o romantismo português E este é, em grande parte, a expressão estética e literária das transformações sociais e políticas então ocorridas Ou, como escreveu Teófilo Braga, fiel ao seu positivismo «Todas as manifestações do grandioso vulto de Garrett são iluminadas pelas crises históricas do seu meio social, cada criação estética do seu génio está ligada às fases da implantação do regime constítucional parlamentar».
«Pode mais que a espada a voz e a pena» - cantará Garrett Mas ele combaterá com todas estas armas Com a pena, com a espada e com a voz.