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5 DE FEVEREIRO DE 1999 1629

cia mantida quando se o compara com esse outro gigante da oratória parlamentar que foi José Estevão de Magalhães, o Cícero de Aveiro Com uma diferença Garrett cuidava mais da forma, como grande escritor que era E teve sempre sobre José Estevão a vantagem de ter sido também um dos mais prolíferos e brilhantes legisladores, dentro e fora do Parlamento Junto dele o Almeida Santos, que o Alegre quis generosamente referir, empalidece, como é óbvio
Antes mesmo de eleito Deputado, foi encarregado de redigir importantes textos legislativos - inclusive de valor constítucional - inspirados pela mística vintista e pela experiência revolucionária da Europa em ebulição Mesmo Mouzinho da Silveira, que goza justamente da fama de primeiro legislador do liberalismo revolucionário, teve em Garrett um precioso colaborador, com a vantagem de este lhe aprimorar tecnicamente a linguagem jurídica, já que a sua não era propriamente famosa
Dotado de voz bem timbrada, sempre teatral, como grande actor que foi, usando com mestria o gesto e colocando com aproposito a voz, declamando com ritmo a frase, apoiado numa invulgar cultura, e temperado por uma riquíssima vivência, Garrett foi decerto, repito, o nosso mais talentoso parlamentar de sempre
Tão só por esse atributo que, bem o sabemos, exige tanto para ser perfeito, bem se justifica esta sinceríssima homenagem Herculano, que lhe conhecia a prontidão e a acidez da replica, quando o Ministro Avila atacou Garrett, fez famoso o seguinte aparte «Se lhe dão tempo para pensar, esmaga-os» Como de facto Dias depois, Avila era feno em estilhas, o que valeu a Garrett, a par de encómios pelo brilhantismo da resposta, a demissão de vários cargos, o que em muitas outras oportunidades lhe aconteceu
Também Sotto Mayor, dirigiu a Garrett, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, esta acusação «Pois o Ministro e tido como o primeiro e maior poeta da Península (...)» - ate aqui não acusação, elogio! - «(...), e em vez de tratar de organizar a sua repartição, que acha mal organizada, trata cuidadosamente de se fazer Balio de Malta»?
Logo José Estevão, em aparte que o relato da sessão regista «Cuidado com ele! Eu conheço-o, já lhe provei a mão! É temível»!
No dia seguinte, deste-lo Era Sotto Mayor, passou a Sotto apenas.

Risos gerais.

Passos Manuel chamou-lhe «pena de oiro» Foi decerto de oiro a sua pena por mais que, materialmente, o não fosse Tivemos, também nos, um «pena de oiro», o nosso querido e já saudoso Raul Rego Talvez não tão genial, mas talentoso, sem duvida E, sobretudo, um carácter de eleição, impermeável as mundanais tentações, e insensível a vaidades e lisonjas Daqui lhe mando um enternecido abraso
Quanto a Garrett, melhor é escutá-lo que julgá-lo Disse ele no celebre Discurso do Porto Pireu, já aqui referido em resposta a uma brilhante intervenção de José Estevão que os arquivos desta Casa registam sob o mesmo titulo «O que hoje e classe media para o povo, foi ao principio a aristocracia Foi-lhe mister lutar com os reis, e o povo a ajudou, venceu e não tardou a abusar da vitoria De protectora e aliada tornou-se senhora, usurpou tudo invadiu tudo, abusou de tudo E o ciúme dos reis primeiro, e a inveja e o ódio dos povos depois, fez justiça ao usurpador Caiu como nós havemos de cair, apedrejada da indignação popular, se não reflectirmos e nos não moderarmos a tempo E mais fácil e mais pronto havemos de cair Que a nossa oligarquia efémera é estátua de pés de barro, aquela (...)» - refere-se à aristocracia - «(...) tinha alicerces de ferro e sangue que iam até às entranhas do país. E caiu! O fanatismo religioso e os preconceitos antigos, e a memória dos serviços prestados, e o lustre das velhas prosápias, e a glória e a vaidade nacional, e a história cheia de seus nomes e que tudo rodeava de prestígios e de força, e de autoridade, a antiga aristocracia histórica.
E caiu, e ela aí jaz por terra Quando veio o dia grande e amargo, quando o povo se ergueu e lhe pediu contas da sua usurpação, ela invocou todos esses prestígios, falou na religião, apelou para a história E nada lhe valeu
Nós, se com os nossos abusos trouxermos esse dia, se fizermos a loucura de tornar obnóxia ao povo a nossa classe que ele ainda ama, que invocaremos nós no dia em que nos pedirem contas? Falaremos na história? Mas nós ainda não a temos! Apelaremos para a gratidão dos serviços prestados? Mas quais fizémos nós, quais que a nosso prol não fossem?
Não podemos, digo, apelar para a gratidão dos povos porque ainda não fizémos nada a favor dos povos.
O povo trabalha e produz, a classe média adquire»
As actas registam débeis «apoiados» de alguns membros do congresso Permitam-me que vos pergunte hoje, aqui e agora, voltariam a ser débeis!
De um outro discurso, proferido já como Par do Reino, retiro o seguinte passo «A sociedade deve esforçar-se por fornecer trabalho ao que precisa de trabalhar para viver, a sociedade tem a obrigação de sustentar o que envelheceu e se impossibilitou ao serviço dela Disse-o o Evangelho antes de o dizer o socialismo».
Em resposta a um dos habituais discursos da Coroa, disse uma dia «Ordem é o fiat da liberdade a luz vai separar-se das trevas, o mal do bem, a monarquia do despotismo, a igualdade civil da demagogia, a religião do fanatismo, e a Liberdade criadora há-de olhar para a sua obra e ver que ela está boa Em o Povo conhecendo bem a Liberdade, em o Povo ouvindo e conhecendo a ordem, há-de ver, há de conhecer, que uma é impossível sem a outra»
Como isto é actual, meus queridos amigos!
Quando preparava a minha tese sobre «Direitos de Autor», enquanto aluno do Curso Complementar de Ciências Jurídicas, deparei, naturalmente, com o famoso projecto de lei sobre a propriedade literária, de que Almeida Garrett foi autor E tomei conhecimento, deslumbrado, da polémica que, sobre esse projecto, travou com o grande Alexandre Herculano Este, numa posição idealista, a recusar que os direitos dos autores sobre as suas obras, pudessem ser qualificados como «uma propriedade como qualquer outra» Impossível reproduzir aqui os argumentos e contra-argumentos desses dois gigantes Mas recordo que Herculano acusava Garrett de «pendurar a ideia no mercado entre o barril de manteiga e a saca de algodão», enquanto que Garrett, mais realista, apesar de mais poeta, lhe retorquia que os escritores e os artistas tinham de almoçar todos os dias, como toda a gente

Risos gerais

Após uma, por vezes, áspera troca de mimos, que os deixou por largo tempo afectivamente frios, Garrett, im-