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1628 I SÉRIE-NÚMERO 44

Garrett, com todo o seu exibicionismo, e a sua permanente preocupação de «ser em todas as circunstâncias o centro das atenções», não fez com isso senão o que hoje se chamaria a publicidade das suas ideias revolucionárias de verdadeiro corifeu do liberalismo político (não confundir com o económico de hoje) de convicto iluminista, de apaixonado pela soberania popular, pela defesa da liberdade e do povo
O remate da tragédia a que deu o nome de Lucrécia, na qual - já se o disse - desabrochou o seu génio de eleição, e bem a prova disso «vivamos livres ou morramos homens». Assim viveu e assim morreu, mesmo quando a heterodoxia dos seus escritos e da suas rebeldias lhe granjeou, por duas vezes, hospedagem no Limoeiro. O Dr. Mário Soares, aqui presente, que saúdo, que bem mais vezes por ía passou, dirá que amam mais a liberdade aqueles a quem os «Limoeiros» desse vasto Mundo privaram dela
Foi assim contraditório efeminado nos gostos, donairoso nos gestos, mentindo sobre a idade que tinha, em contraponto firme nas convicções, bravo na sua defesa, física, psicológica e intelectualmente corajoso Teve sempre detractores, a quem não deu descanso, teve sempre adversários, a quem não recusou combate, quando foi caso disso, aprovou uns murros bem aplicados, em extremo de causa, bateu-se em duelo à pistola, a desafio seu, embora no momento da verdade o adversário o tenha atirado para o ar, em convite a que Garrett o imitasse, o que cavalheirescamente fez E, sobretudo, amou sempre muitas mulheres que facilmente se rendiam à sedução dos seus galanteios encantatórios Amava as todas em cada uma Tinha uma marcada predilecção pelas mais jovens, mesmo tendo em conta que o amor, e ate o casamento precoce, eram frequentes nesse então Separado da primeira e única esposa - que, na altura, era vedado ter mais do que uma, ainda que sucessivamente -,

Risos gerais

a qual lhe deu uma filha, que logo perdeu, não hesitou em coabitar com outra, igualmente jovem, que lhe deu duas filhas e um filho varão, só uma das filhas tendo conseguido sobreviver Cedo falecida a segunda companheira, refugiou se em relações adúlteras que dificultaram e diferiram o seu acesso ao palácio real - a rainha não gostava inicialmente, muito dele Uma bela mulher casada inspirou lhe as Folhas Caídas e deu vida e calor ao seu Outono Viria a morrer quase só, tal como Camões, seu modelo, reduzido às visitas de Gomes Amorim, de Herculano da filha freira e poucos mais Mas não pobre, como o épico Ele próprio tinha restaurado, mobilado e decorrido com requintado gosto (também era dado, de algum modo, ao bricabraque, como o também imortal Junqueiro) a casa em que viveu a dolorosa espera da morte.
O que, porem, pretendo realçar, é que não são lícitas, nem foram sequer tentadas, conclusões apressadas sobre a sua virilidade Amaneirado seria Mas femeeiro sempre!

Risos

Chegou em convívio com uma família inglesa de boa estirpe a namorar ao mesmo tempo três encantadoras irmãs - coleccionava não só bricabraque -, com uma das quais se envolveu a seno Este dado biográfico é por ele próprio reproduzido nas Viagens na Minha Terra, atribuído à figura de Carlos, o tal que conquistou o amor da Joaninha dos olhos verdes, que nesse e, porventura, noutros relatos não é senão o próprio Garrett E tinha ele, pela família, sido destinado a padre, tendo, inclusive, chegou o a receber prima tonsura! Sempre é verdade que Deus não dorme!

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Foi decerto preciso que Garrett tivesse tido o génio que teve, tivesse sido o poeta, o dramaturgo, o romancista, o parlamentar, o jornalista e o resistente que foi, e tivesse vivido a vida inteira em coerência com as suas próprias ideias e convicções, até ao sacrifício do que mais amava, para que os seus veniais pecadilhos fossem afinal sempre perdoados, quando não apoucados, levados enfim à conta do imenso crédito que acumulou na conta-corrente da história, à força de determinação e de talento
Não terá tido, por certo, o carácter sólido e brônzeo de Alexandre Herculano - mas quem teve? Mas não lhe faltou carácter O seu contemporâneo D João de Azevedo, assim o descreve «talento monstro, reputação europeia, primeiro orador português, primeiro poeta peninsular e literato quase enciclopédico» Este hetero-elogio goza tanto da presunção de ser sincero e justo, que provém de quem, do mesmo passo, o considerou «o céptico mais desalmado que seguramente se tem sentado em cadeira de parlamento» Mas o crítico recai em crise de admiração artística e intelectual quando remata «( ) efectivamente é gigante, e talvez precisara curvar-se para atravessar o Colosso de Rhodes» Quem é que já mereceu, em Portugal, este elogio?
Eram, decerto, as suas fraquezas lordbyroneanas a estragar a pintura Porque «céptico» e «desalmado» é que Garrett não foi. Pelo contrário, foi sempre firme na sua fé religiosa, patriota sem mácula e fiel à causa do liberalismo político e da democracia representativa Amou como poucos a liberdade e lutou, inclusive, de armas na mão, como aqui já foi realçado, como simples soldado, pela emancipação da burguesia e do povo A sua vida e a sua obra são o testemunho disso E bem se sabe que viveu por dentro o período politicamente mais descontínuo e instável da história política portuguesa A sua obra -quantas vezes censurada, de autoria oculta ou representação proibida - tem a coerência de um hino aos ideais do vintismo e da liberdade
E convenhamos se a Garrett faltou alma, quem outra mais rica e sensível a teve? Não o considerou Ramalho «um dos maiores poetas deste século»? E pode-se acaso ser tão universalmente grande se a alma for pequena?
Digamos tudo se Garrett foi um «céptico desalmado», quem escreveu por ele as Folhas Caídas, o Frei Luís de Sousa e as Viagens na Minha Terra, para só citar o principal? E quem, por amor do povo, calcorreou o país em recolha dos romances populares, da mais tradicional e genuína poética portuguesa, hoje registada nesse admirável Romanceiro que figura entre as obras-primas, não só de Garrett, mas da literatura portuguesa, senão universal? Mas, hoje e aqui, reveste-se de particular significado a dimensão parlamentar de Almeida Garrett, como Deputado e Par do Remo.
Falemos, pois, desse nosso talentoso «colega» Já referi que Camilo o considerou o maior orador parlamentar de sempre Essa opinião não é isolada E é com frequên-