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1626 I SÉRIE-NÚMERO 44

Com a pena, através de uma escrita multifacetada, que vai desde a criação poética à refundação do teatro português, passando pelo ensaísmo, a que dará nova dimensão, com, por exemplo, O Tratado da Educação ou Portugal na Balança da Europa, à colaboração directa com Mouzinho da Silveira na redacção das leis que iriam transformar o País e, mais tarde, na elaboração das leis sobre educação e em partes substanciais da própria Constituição Sem esquecer os direitos de autor, de que foi o primeiro a ocupar-se em Portugal
Tinha vocação de legislador Desconfio, até, que, como o nosso Almeida Santos, ele nunca resistiu à tentação de corrigir a gramática e as vírgulas das leis

Risos gerais

Pese embora o seu contributo para a renovação da língua, creio que a sua poesia esta demasiadamente datada e que a sua linguagem poética raramente consegue libertar-se dos arcaísmos do tempo O que de mais fresco e pessoal nos fica e o Romanceiro Português, por ele tão carinhosamente recolhido e coligido, para além do belíssimo poemas As Minhas Asas
Mas a revolução literária haveria ele de fazê-la na prosa e no teatro Com as Viagens na Minha Terra, Garrett reinventa a prosa portuguesa, abre o caminho à modernidade e liberta a língua daquela carapaça «oco-ribomba e freira», de que falava Filinto Elísio Nunca tão certo esteve Garrett como quando escreveu no inicio do capítulo II «Estas minhas interessantes viagens hão-de ser uma obra prima, erudita, brilhante de pensamentos novos, uma coisa digna do século»
Viagens na Minha Terra, note-se, depois de, como assinala, ter viajado no seu quarto É, de certo modo, o cumprimento da palavra de ordem que Garrett formula quando funda o Teatro Nacional «Vamos a ser nós mesmos, vamos voltar a raiz» Enxertar na tradição nacional, reavivando a, o novo estilo e as novas ideias trazidas da errância pela Europa Cosmopolitismo e nacionalismo, tomo haveria de acontecer depois com a geração do Orfeu Mas não foi só com a pena que Garrett lutou pela liberdade na escrita e na vida Como ele próprio diz na sua Autobiografia, «as praias do Mindelo viram-no desembarcar de espingarda ao ombro e mochila as costas» A ele e ao seu amigo Alexandre Herculano Como Byron, também eles empunharam as armas pela liberdade, lutando no cerco do Porto onde apesar da guerra e no meio da guerra, Garrett escreveria ainda O Arco de Santana
Com a pena, com a espada E com a voz Aqui, nesta Casa estão os ecos dessa voz e de alguns dos mais notáveis discursos parlamentares que alguma vê foram pronunciados em Portugal Foi sem duvida o maior tribuno do seu tempo e por certo o maior orador parlamentar de sempre Poeta da liberdade, soldado da liberdade, legislador da liberdade, tribuno da liberdade, jornalista da liberdade Digam ía se não e um destino e se pode haver biografia que se lhe compare
Não posso também esquecer que foi Almeida Garrett quem organizou a homenagem aos mártires da liberdade, decapitados pelos miguelistas na Praça Nova, no Porto, um deles meu tio trisavô Clemente de Mello Freitas O meu antiabsolutismo e por assim dizer, genético E a admiração que tenho por Almeida Garrett é tão antiga como o despertar da minha própria consciência cívica
Deixo para o fim a obra de Garrett que, a par de Viagens na Minha Teria mais indelevelmente me marcou
Refiro-me ao Frei Luís de Sousa E mais exactamente, àquele momento, raro e único, sem dúvida um dos mais altos da nossa literatura, em que o velho aio, que está farto de o saber, pergunta ao Romeiro. Quem és tu? É o Romeiro, apontando o retrato de D. João de Portugal, responde Ninguém.
Nunca consegui ler ou assistir a este episódio sem um arrepio na alma ~ que aquela pergunta àquele romeiro é a pergunta que, de certo modo, em certos momentos, todos fazemos ao grande desconhecido que trazemos dentro de nós E aquele Romeiro ou aquele Ninguém é tudo, é Portugal, é a História, é o povo português, somos nós todos

Aplausos gerais

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Deputado Manuel Alegre, também, grande escritor e poeta.
Sr. Ministro da Cultura, em representação do Sr. Primeiro-Ministro e por si próprio, Srs Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Procurador-Geral da República, Sr. Ministro da República junto da Região Autónoma dos Açores, Srs Deputados, Srs. ex-Presidentes da República, Ex mos Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal de Contas, Ex.mas Autoridades Civis e Militares, Srs. Convidados Evocamos hoje o bicentenário do nascimento de Almeida Garrett, porventura o cidadão português que, depois de Camões, mais gasto deu ao qualificativo de génio
Não raras vezes, foi entre nós apodado de génio quem esteve longe de o ser Não é esse o caso de Almeida Garrett Muitos dos que do talento quinhoaram, como Herculano, Oliveira Martins, Camilo, Teófilo Braga e Ramalho Ortigão, convergem, em geral, na genial criatividade do político, do dramaturgo, do poeta, do romancista, do orador parlamentar e até do jornalista, como já foi aqui destacado, que Garrett cumulativamente foi
Oliveira Martins considerou-o «o maior poeta e o maior artista que tivemos depois de Camões» Camilo, qualificou-o de «Luís de Camões romântico», a propósito do seu poema em verso branco sobre o épico, que Camilo rotulou de «incomparável maravilha literária» E considerou-o o maior orador parlamentar de sempre, sem excepcionar o próprio José Estevão de Magalhães, seu também imortal contemporâneo nestes cadeirais de São Bento Teófilo Braga considerou-o o fundador do teatro português, que sem dúvida foi, de que Gil Vicente teria sido apenas o grande precursor E opina que, no Frei Luís de Sousa, «a Pátria se encarna no verbo do mais poderoso génio depois de Camões »
Alexandre Herculano, tão parco em elogios, foi seu sincero admirador Quando, já no fim da vida, Garrett escreveu as Folhas Caídas - livro de versos verdadeiramente inovador e irreverente para com os cânones literários do tempo -, o grande historiador, ao lê-lo, terá exclamado «se Camões fizesse versos de amor na idade em que está Garrett, não era capaz de o igualar São belíssimos Aquele diabo não pode com o talento que Deus lhe deu»
Menos generosos nas apreciações que dele fizeram, foram, é sabido, o truculento José Agostinho de Macedo - seu detractor de estimação - e até o próprio António Feliciano de Castilho (o bombo da festa da célebre Questão Coimbrã), que à falta de mais consistentes razões o terá acusado de usar galicismos