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22 DE ABRIL DE 1999 2693

cativo número de militares, todos eles participantes activos quer no derrube do regime ditatorial quer no processo, então iniciado, de transição para a democracia.
Nada justifica a permanência dessas situações. Pelo contrário, tudo impõe que sejam rapidamente revistas e reparadas, à luz não só de incontornáveis critérios de justiça como do espírito de reconciliação nacional, que já originou, em 1984, a revisão da situação dos militares objecto de actos de saneamento administrativo, na sequência da própria Revolução.
Porque é sobretudo - e com efeito - de um acto de justiça que se trata, e não da concessão de qualquer espécie de privilégios ou honrarias, que violariam o princípio da igualdade de direitos e deveres tão caro aos revolucionários de Abril.
Um acto de justiça, porque todos sabemos que esses militares se viram prejudicados nas suas carreiras em consequência do seu empenhamento activo e generoso na Revolução, num período em que as difíceis circunstâncias que rodeavam a sociedade portuguesa impunham à sua presença à frente dos órgãos do Estado.
Um acto de justiça, porque todos sabemos que não era fácil encetar uma transição rápida e linear para a democracia num País marcado pela desinformação e pela anestesia cívica, fomentadas pela ditadura, e mergulhado numa guerra colonial de 13 anos, que limitava as alternativas em termos de estratégia descolonizadora.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Foram tempos de aprendizagem e tacteamento, esses, para tantos de nós, militares e civis, dirigentes do MFA ou dirigentes de partidos políticos e sindicatos. Tempos em que os partidos, conscientes da sua própria fragilidade e da necessidade de prevenir quaisquer tentativas de reposição das estruturas autoritárias do regime anterior, não prescindiam da aliança com o Movimento das Forças Armadas e consideravam os militares garantes de um processo de transição para a democracia.
Tempos em que esses mesmos militares souberam honrar o compromisso central do programa do MFA, de realização de eleições livres e sérias para uma Assembleia Constituinte, assim permitindo a emergência de uma legitimidade eleitoral de forças políticas civis, a qual, aliás, viria a revelar-se decisiva para a anulação de veleidades revolucionário-vanguardistas.
Tempos de transição em que o poder tinha de assumir, necessariamente, uma natureza político-militar, sob pena de se agravarem os riscos de uma generalizada confrontação no terreno civil, com o previsível e consequente bloqueamento de uma solução democrática na organização do novo poder.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Nessa conjuntura difícil, marcada pela emergência de projectos de sociedade contraditórios, coube aos militares um papel para o qual, salvo raras excepções, não estavam nem podiam estar preparados, mas que, em boa verdade, mais ninguém na sociedade portuguesa podia desempenhar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Cometeram erros? Sem dúvida. Mas quem não os cometeu? Tiveram, pelo menos, a coragem de arriscar e de assumir frontalmente um papel interventor que a esmagadora maioria dos portugueses, aliás, nessa altura lhes exigia. Nalguns casos com excessos e devaneios utópicos, é certo, mas não eram esses excessos e devaneios frutos da própria pressão exercida por uma parte da sociedade portuguesa da época? Ou já esquecemos os sonhos que percorreram inclusivamente alguns dos que hoje se sentam calmamente nos órgãos do Estado e nos mais diversos partidos, incluindo os que se situam à direita do leque parlamentar?
Catapultados para a assunção de um papel político, num ambiente de inevitável instabilidade, confusão e conflito de projectos, esses militares tiveram a coragem de dar a cara em vez de se refugiarem num prudente e, porventura, em certos casos, calculista distanciamento da ribalta dos acontecimentos políticos.
E, no entanto, a transição para a democracia foi concluída com inegável êxito e através, não o esqueçamos, de um pacto negociado e firmado entre o Movimento das Forças Armadas e os principais partidos políticos. Um pacto em que os militares do MFA, fiéis ao seu compromisso inicial do programa do 25 de Abril, aceitavam renunciar ao poder político e entregá-lo, em plenitude, aos representantes eleitos do povo português, como efectivamente veio a acontecer após a revisão constitucional de 1982.
Pela primeira vez na nossa História, numa revolução desencadeada por militares, estes acabam por sé remeter, voluntariamente, à sua função estritamente profissional, em disciplinada subordinação ao poder político civil legitimado democraticamente.
Como não evocar o contraste histórico que esta atitude representa relativamente à I República - no entanto implantada por uma revolução não estrita e autonomamente militar como o 25 de Abril - e ao longo da qual, nessa I República, se sucederam as intervenções dos militares na vida política, culminadas, como se sabe, com o infeliz 28 de Maio? E que diferença entre a atitude dos militares do 5 de Outubro, logo alvo de benesses e privilégios como pensões especiais e promoções automáticas, e a dos principais militares do 25 de Abril, que, de imediato, rejeitaram as propostas de Spínola e Costa Gomes para que fossem logo promovidos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por todas estas razões, consideramos inaceitável que um número significativo de militares do 25 de Abril tenha sido tratado, por alguma hierarquia do período pós-revolucionário, como se tivessem participado num acto subversivo. Até mesmo Salgueiro Maia, em quem o País reconhece o herói-modelo do 25 de Abril, se viu seriamente prejudicado na normal ascensão na sua carreira pelo seu papel, aliás, exemplar, no 25 de Abril e em todo o processo subsequente! E por isso, com aquele humor amargo que o caracterizava, confessava aos seus amigos ser tratado como um «implicado» no 25 de Abril e correr mesmo o risco de, um dia, vir a ser julgado pelos actos subversivos cometidos no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo.
É tempo, pois, de pormos cobro a esta absurda e escandalosa anomalia, que só nos envergonha perante a História. Se está fora de causa a concessão de quaisquer benesses ou privilégios aos militares de Abril, que os próprios seriam, aliás, os primeiros a rejeitar, não podemos, porém, continuar a pactuar com os prejuízos causados às suas carreiras por actos administrativos directos ou pelo clima de coacção em que foram envolvidos. É injusto e absurdo que estes militares tenham sido tratados como se, afinal de contas, tivessem perdido o 25 de Abril e o poder tivesse sido recuperado por aqueles mesmos que nesse dia foram derrotados!

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