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1139 | I Série - Número 29 | 14 de Dezembro de 2000

 

Moçambique e que constituíram uma bárbara violação dos direitos humanos naquele país.
Nas últimas semanas, temos vindo a ser informados de uma sucessão de factos, como os que foram aqui denunciados, sobre manifestações da oposição e prisões de jornalistas por usarem do seu direito de informar. Ora, esta sucessão de acontecimentos indicia que não estão a ser garantidos, em Moçambique, direitos essenciais dos cidadãos - o direito à vida, em primeiro lugar, e também o direito e a liberdade de expressão e associação, indispensáveis ao funcionamento da democracia.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - É nossa convicção que a qualidade do desenvolvimento não pode deixar de ser aferida também por critérios que contemplam o exercício efectivo dos direitos humanos e dos direitos políticos fundamentais.
É nossa convicção, ainda, que estes direitos não podem ter interpretações específicas, segundo a região, o estádio de desenvolvimento e as circunstâncias históricas de cada Estado.
Não perfilhamos leituras flexíveis nem utilitárias quanto ao respeito de direitos que continuadamente afirmamos serem de vocação universal e a que, ainda recentemente, este Parlamento solenemente proclamou fidelidade, ao adoptar a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Por isso, entendemos que a violação destes direitos deve ser denunciada onde quer que ela tenha lugar. E, nesse sentido, Sr. Deputado Bernardino Soares, essa denúncia nunca é a despropósito. As relações entre Estados não podem fundar-se no silêncio sobre o desrespeito dos direitos humanos, porque a dignidade do Homem está acima do valor do Estado.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos, por tudo isto, que este Parlamento não pode alhear-se de factos como os que tiveram lugar, recentemente, em Moçambique e lamentamos que um processo de paz e desenvolvimento, que, nos últimos 10 anos, deu passos tão decisivos, possa eventualmente estar a ser posto em causa.
Por isso, instamos o Governo a que, através da sua acção diplomática, contribua para a valorização dos direitos humanos, como uma componente indissociável de um desenvolvimento que desejamos continuar a apoiar também em Moçambique.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes querem associar-se ao voto de pesar pelo assassinato de Carlos Cardoso. Este jornalista foi, sem dúvida, uma referência em Moçambique e fora dele, foi alguém que, na sua vida profissional, se empenhou e não prescindiu da busca de verdades, da denúncia de factos e que não se vendeu pelo silêncio.
O assassinato deste jornalista deixa seguramente margem para reflectir sobre a negação de um dos mais elementares direitos humanos: a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é a base da liberdade de um país e, por isso, é justo apelar, em Moçambique, a um futuro de paz e de segurança e, nesse sentido, apelar ao governo moçambicano que se empenhe no apuramento das responsabilidades deste acto criminoso que tem por trás, decerto, muito mais do que o termo horrível de uma vida humana.
Relativamente ao voto n.º 101/VIII, apresentado pelo CDS-PP, Os Verdes concordam inteiramente com aquilo que vem expresso no seu n.º 1, de repúdio relativamente às mortes ocorridas numa cadeia em Moçambique, que constituem, de facto, uma preocupante violação dos direitos humanos. Os Verdes entendem que, de facto, o Governo português e Portugal, em concreto, não devem alhear-se deste facto. De qualquer modo, parece-nos profundamente abusivo aquilo que vem expresso no n.º 2. É que aquilo que aí vem expresso não é que o Governo tome qualquer atitude ou recomende algo perante o governo de Moçambique, é algo, na nossa perspectiva, um pouco mais sem sentido e um pouco mais abusivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Carlos Cardoso, um dos jornalistas mais destacados de Moçambique, foi assassinado à bala nas ruas de Maputo. Militante independentista, activista contra o apartheid e director do Metical, jornal incómodo e corajoso, Carlos Cardoso era uma referência da luta pela liberdade de informação e pelos direitos de cidadania, tão barbaramente ofendidos com as perseguições e mortes em Montepuez.
Candidato da lista «Juntos pela Cidade», nas eleições municipais, foi eleito com 30% dos votos. Carlos Cardoso estava actualmente a investigar o roubo de 10 milhões de libras esterlinas dos cofres do Banco Comercial de Moçambique, nas vésperas da sua privatização, bem como outros escândalos públicos e privados.
Dele disse Mia Couto, no discurso fúnebre: «Em tudo o que fazia deixou a marca da originalidade. Por isso, Carlos Cardoso não foi apenas um profissional da informação, ele descobriu um outro modo de comunicar. Para ele, o jornalismo era apenas um instrumento para criar e divulgar pensamentos.
Nos últimos anos, confessou sentir-se solitário. Era, sobretudo, a saudade de uma utopia, em que nos sonhávamos donos de nós mesmos, sem ter de mendigar ao mundo a migalha da nossa sobrevivência. Foi este patriota, este pai, este companheiro e amigo que nos roubaram. Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras. Cardoso era um dos melhores de nós.».
Esta é a razão pela qual a Assembleia da República homenageia um dos melhores de nós, e é também a razão pela qual retomamos aqui o apelo do Prof. Boaventura Sousa Santos, num dos números da revista Visão: que a Carlos Cardoso seja atribuído um grande prémio internacional de jornalismo de investigação.
Retomamos este apelo e precisamos: que a Assembleia da República surja como proponente da candidatura póstuma de Carlos Cardoso a este prémio.