1174 | I Série - Número 29 | 14 de Dezembro de 2000
tivas - os projectos de lei n.os 277 e 335/VIII - provenientes dos partidos políticos sentados nos extremos parlamentares, ou seja, o PP e o Bloco de Esquerda, curiosa e simultaneamente com fins idênticos e antagónicos, assim como com vícios semelhantes.
O objectivo comum de uma e de outra produção legislativa é o de introduzir uma qualificação de natureza pública ao tipo legal de crime previsto no artigo 143.º do Código Penal, que dispõe sobre as ofensas à integridade física, actualmente classificado como crime semipúblico, e daí que tenham, o Bloco de Esquerda e o PP, escopos idênticos. Porém, os fins são simplesmente antagónicos, porque partem de realidades diversas, resultando na dimensão pública daquele crime quando praticado contra agentes das forças e serviços de segurança, na versão do PP, e por estes mesmos agentes das forças e serviços de segurança, na opção do Bloco de Esquerda.
Para além desta curiosidade, devemos constatar que os diferentes fins foram, contudo, alcançados por motivações semelhantes: alterar o Código Penal em função de critérios de oportunidade e de oportunismo político.
Ora, a solidez, a dignidade e a força do nosso sistema normativo penal não se compadecem com mutações, como agora acabou de ser dito pelo Sr. Deputado António Filipe - e bem! -, mais ou menos avulsas, ao sabor de correntes momentâneas de opinião ou de factos com significativo impacto mediático.
Assim, o equívoco legislativo em que redundou o projecto do PP, conforme demonstrarei, estimulou o aparecimento de um seu produto, outro equívoco, desta feita com a assinatura dos deputados do Bloco de Esquerda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta sede parece-nos a mais adequada para recordar as diferentes naturezas que os crimes podem assumir, porquanto, em ambas as iniciativas legislativas, a confusão é geradora de contradição e de redundância.
Destarte, quando os valores protegidos com a incriminação legal são fundamentais para a comunidade, a lei não deve exigir a queixa do ofendido, conferindo ao Ministério Público a legitimidade para o processo penal, exorbitando a disponibilidade do ofendido. Estamos, então, a falar dos crimes públicos.
Por seu turno, nos crimes semipúblicos, em que a lei faz depender a acção penal da queixa para que o Ministério Público possa desenvolver o processo é necessária a queixa dos ofendidos ou de outras pessoas legitimadas para tal.
Existem, ainda, para além destes dois, os crimes particulares, em que o procedimento criminal depende de acusação particular, isto é, o titular do direito de queixa deve também constituir-se assistente para que o Ministério Público dê início às fases do processo penal.
Se é verdade que o crime de ofensa à integridade física simples, quando praticado contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, conforme é mencionado no preâmbulo do projecto de lei do PP, exigirá uma apreciação autonomizada, na medida em que o valor protegido com a incriminação é não apenas a integridade física do ofendido mas, igualmente, a dignidade da respectiva função e a qualidade funcional do agente e, por isso, deveria revestir natureza pública, também não é menos rigoroso e oportuno sublinhar, nesta sede, que o direito positivo já configura o crime de ofensas corporais simples a agentes das forças ou serviços de segurança, no exercício das suas funções, como crime público previsto e punido pelo artigo 146.º do Código Penal.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso não é verdade!
O Orador: - No citado artigo 146.º, e, por remissão, na alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º, ao contrário dos artigos 143.º e 148.º, a lei não exige qualquer queixa para se dar início ao procedimento criminal, considera-se, assim, já a publicização de tal ofensa cometida contra agentes das forças de segurança.
A iniciativa legislativa do PP, decorrente sobretudo de critérios de oportunismo político, prejudica a estabilidade e a dignidade da arquitectura penal. Torna-se, assim, desnecessária, visto que o seu fim está já presente nas normas constantes do Código Penal.
De facto, a simples circunstância de uma agressão ser realizada contra agentes das forças de segurança, no pleno exercício dos seus poderes, é susceptível de revelar uma especial censurabilidade ou perversidade, condições necessárias para uma aplicação articulada dos artigos 146.º e 132.º, alínea j), n.º 2, classificando, então, esse acto como crime público, não obstante esse comportamento ofensivo da integridade física se encontrar hoje como crime semipúblico e, então, dependente de queixa.
Os autores do projecto em apreço não demonstram sequer uma leitura atenta do Código Penal, nem tão-pouco uma leve abordagem jurisprudencial, pois notariam que, por exemplo, do Acórdão n.º 436, da 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto consta que «o crime previsto no artigo 146.º do Código Penal constitui um tipo diferente e autónomo do previsto no artigo 143.º, revestindo natureza pública, razão pela qual o procedimento criminal não depende de queixa, nem a desistência da queixa é relevante para fazer cessar o processo.»
Concluindo, e compulsado o teor do projecto de lei n.º 277/VIII, do PP, esta iniciativa não traduz qualquer alteração material ao regime jurídico que presentemente já existe. Mais: torna-se evidente que a mutação proposta, caso fosse aprovada, não é clarificadora do actual regime, mas restritiva, pois obrigaria mesmo o interprete judicial a afastar a natureza pública dos outros crimes em que a vítima não detivesse a qualidade de agente das forças ou serviços de segurança.
Em suma, o projecto de lei do PP pretende transformar uma ofensa corporal simples, considerada a sua natureza bagatelar, cujo procedimento criminal depende de queixa, num crime público, que implicaria uma reacção comunitária desproporcionada face ao valor jurídico em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, esta noite, produzia a presente intervenção, observei, mais uma vez, e infelizmente, num canal televisivo nacional, uma situação idêntica às muitas que são nomeadas pelo Bloco de Esquerda na sua «Exposição de motivos»: uma notícia do eventual excesso de violência e atitude desproporcionada das forças de segurança, neste caso no Alentejo, relativamente a um cidadão. Mas também aqui, como em muitas outras circunstâncias, o lesado apresentou queixa, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 143.º, e deu início, então, ao respectivo processo penal, como, aliás, na esmagadora maioria dos casos.
Porventura, os excessos a que o Bloco de Esquerda alude, e que, infelizmente, todos nós temos consciência de existirem, não se superam com meras alterações ao Código