1177 | I Série - Número 29 | 14 de Dezembro de 2000
a maioria alargada nesta matéria, porque o Partido Socialista, em vários momentos, apoiou esse processo de reforma, por razões que também explicou.
Se há questão que tenha sido discutida com cuidado na Comissão de Reforma - lembro-me disso, mas fui refrescar a memória, e, como sabem, o Código Penal foi preparado cuidadosamente e a revisão teve uma Comissão, na qual estavam ínclitos representantes do nosso melhor pensamento jurídico, desde o Sr. Professor Figueiredo Dias até ao Dr. Costa Andrade e outros membros com grande gabarito na nossa cultura jurídica - foi esta questão, que foi ponderada cuidadosamente. Porquê? Porque teve de discutir a eliminação do crime de ofensa a funcionário, que existia autonomamente, e, como revelam as actas e o projecto da Comissão, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 1993, pp. 407 a 408, a manutenção do artigo 347.º na sua redacção e aquilo que nas actas consta sobre o pensamento dos que prepararam a reforma vai no sentido não da abolição do crime público nestes casos mas da manutenção desse crime como público. E estamos a falar não de coisas pouco importantes mas de uma lista enorme de autoridades, que começa com os membros dos órgãos de soberania e que engloba os membros do Conselho de Estado, ministros da República, magistrados, membros de órgãos de governo próprio das regiões autónomas e do território de Macau, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais e de outro serviço ou organismo que exerça a autoridade pública, comandante de força pública, jurados, testemunha, advogado, agente das forças ou serviço de segurança, funcionário público… E a lista continua, Srs. Deputados, e está hoje contida no artigo 132.º, n.º 2, alínea j) do nosso Código Penal.
Ou seja, em relação a todas estas entidades, não há crime de ofensas corporais simples, esse crime é qualificado. E, como vem interpretando a nossa jurisprudência, uniformemente, o crime constitui um tipo diferente e autónomo do previsto no artigo 143.º, revestindo natureza pública, razão pela qual o procedimento criminal não depende de queixa, nem a desistência da queixa é relevante para fazer cessar o processo. Podia enumerar uma quantidade significativa de espécies jurisprudenciais onde esta interpretação é adoptada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, só haveria duas soluções: ou legislar, não diria de forma regulamentar, para o aluno menos dotado da turma e o mais obnubilado - e, então, seria necessário repor esta lista toda ao lado dos agentes da autoridade que os Srs. Deputados do PP colocaram neste singelo artigo - ou, então, deixar estar em vigor o Código na redacção que está e que é uma redacção que não oferece especial dúvida, deste ponto de vista.
Portanto, julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as reformas penais feitas a soluços e por ímpetos estivais não dão, normalmente, bons resultados, e creio que aqui confirmámos francamente essa regra.
Em relação ao outro projecto, julgo que ele é também sazonal. É um projecto de reacção política circunstancial ao facto de estar agendado um projecto do PP e é assente em algo cuja simetria é sugestiva até ao momento em que se começa, como aqui foi tão bem feito, a analisá-la, a decompor as consequências da opção e a verificar quais seriam as consequências da doutrina paritária ou paritarista aqui estabelecida.
O artigo 132.º do Código Penal é claro em relação à impossibilidade de tratar de forma igualitarista aquilo que é distinto - a protecção da autoridade do Estado. Dei os exemplos dos titulares dos órgãos de soberania, mas toda a lista do artigo 132.º corrobora esta visão. Essa orientação não aconselha uma solução desse tipo, que teria, aliás, como consequência que, mesmo em casos em que as pessoas não desejassem qualquer acção, essa acção teria lugar, quisessem ou não quisessem, porque é essa a natureza de um crime público, e o Ministério Público teria que agir, quisesse o que quisesse o cidadão interessado, fossem quais fossem as circunstâncias. Todos sabemos que assim é! Um crime público é isto mesmo ou, então, não é um crime público, é um tertium genus, é uma outra coisa qualquer. Portanto, é uma opção melindrosa e a sugestão de paritarismo não é uma sugestão que eu julgue que deva ser aceite.
Por último, Srs. Deputados, faço uma referência à questão que foi equacionada, e julgo que muito bem, pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, no que diz respeito à violência policial e às medidas a adoptar nesse domínio.
Julgo que a doutrina que foi acolhida por esta Câmara, que, sobre essa matéria, teve ocasião de várias vezes reflectir, é uma doutrina equilibrada e justa. Ou seja, a lei, em Portugal, é alguma coisa de aplicação universal. Ninguém está acima ou fora da lei e quem quer que se coloque fora da lei deve ser sancionado. Mas há, para isso, meios próprios. Não é a linchagem electrónica! Não é o julgamento por primeira página de jornal! Não é o voto condenatório sem processo instrutório! Não é a comissão atrabiliária a julgar sem provas! Não é o juízo de supetão, feito a quente, porque que se leu num órgão de comunicação uma informação, por vezes, colocada sabe-se lá por quem e com que intenções para gerar um efeito perverso no funcionamento institucional! Quem se rege por esses meios de linchagem electrónica será algum dia, mais tarde ou mais cedo, electronicamente linchado. É uma lei cruel que a todos se aplica e de que ninguém está isento. Julgo, portanto, em relação aos excessos da violência policial, que é bom ter isto em conta, quando esta Câmara aprovou, sobre um acontecimento recente e lamentável, aliás, dois votos cuja comprovação pela história não ocorreu, infelizmente.
Há que ter cuidado na ponderação destas matérias, há que fazer um esforço de justiça e julgo que o esforço que está em curso, através da IGAI, através de medidas de carácter preventivo, através da educação e da formação intensa dos membros das forças de segurança para uma ética de responsabilidade - uma ética de responsabilidade sem limites, garantida também por uma adequada protecção - é a via certa. E julgo que nenhum partido tem razões para ter vergonha por estar de acordo com essa via, que é uma via de alargadíssimo consenso, que pode dar solidez e coesão às nossas forças de segurança e, simultaneamente, dar aos cidadãos a garantia de que as forças de segurança não excedem a sua autoridade e, quando excedam, sofrem, como todos os cidadãos, as suas consequências.
Julgo, por isso, que este debate, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi útil e faço votos de que a Câmara decida como deve ser.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está terminada a dis