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2326 | I Série - Número 59 | 15 De Março De 2001

de tamanho drama pelos meios de comunicação social. O que, sob este aspecto, se tem passado nos últimos dias é a razão da minha intervenção.
A paisagem mediática portuguesa sofreu profundas mutações na última década, a maior das quais foi sem dúvida a abertura de canais privados de televisão. A falta de distância dos canais públicos preexistentes em relação ao poder político justificava a esperança num novo pluralismo. Porém, a experiência posterior, sobretudo a mais recente, confirma o que se vinha já a concluir noutros países: concorrência não é garantia de diversidade. Pelo contrário, o sistema televisivo tende para uma uniformização cada vez maior, e esta uniformização faz-se por baixo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão!

O Orador: - O que determina essa convergência é a submissão crescente da programação - designadamente da programação informativa - ao critério comercial da disputa de audiências.
Este monopólio do mercado, ou, pelo menos, da sua lógica estritamente concorrencial, sobre os critérios editoriais e de programação de todos os canais, impõe um debate que o Bloco de Esquerda não pretende adiar, porque o varrimento de todas as regras, que não a da disputa de receita publicitária, coloca em perigo a liberdade de expressão e a democracia.
A presença mediática, e sobretudo televisiva, na tragédia de Entre-os-Rios representa um investimento de meios e espaço de representação sem precedentes. Tamanho desastre para as comunidades envolvidas aconselharia - creio eu! - ponderação, mesmo aos mais desinibidos gestores de audiências. As difíceis condições de recuperação dos corpos das vítimas e o prolongamento da ansiedade da comunidade afectada apontaria ao respeito pelo luto e pela dor de quem perdeu os seus próximos. Em lugar disso, instalou-se o delírio concorrencial entre os meios de comunicação social.
Desde há nove dias, assistimos ao desdobramento da transmissão em fluxo contínuo a partir de Castelo de Paiva, mesmo na ausência prolongada de qualquer motivo de notícia; assistimos à repetição consecutiva das mesmas informações, de que o Governo se procura aproveitar com os seus briefings mínimos garantidos; assistimos ao desrespeito por regras elementares da deontologia jornalística, como vimos, há dias, em entrevistas em directo a familiares devastados ou a crianças indefesas; assistimos ao recurso indiscriminado ao directo televisivo, forma tão difícil de jornalismo, cuja «superficialidade», como refere Diana Andringa, ex-presidente do Sindicato de Jornalistas, «pode funcionar como uma espécie de censura, uma ausência de pensamento do que está antes e do que virá depois»; assistimos à invasão das casas enlutadas e à apropriação mediática da dor íntima e privada de cada um. Para cumprir a única regra que vale, parece ser necessário não cumprir regra alguma.
Esta vertigem marca a paisagem mediática dos nossos dias com o ferro da desumanidade e, até, com o ferro da impiedade. Na ausência de formas de auto-regulação, resta o espectáculo da canibalização do cidadão pelo sistema comunicacional, com a televisão na linha da frente. Os espaços da intimidade, a violência demente ou a fascinação pela tragédia humana tornam-se objectos predilectos da disputa mercantil de audiências televisivas.
As longas transmissões estivais em torno da destruição da floresta são tímidos ensaios ao lado do delírio dos media em Entre-os-Rios. Mais: desde o sucesso mediático do enclausuramento de um homem perturbado nas instalações da RTP, tiveram já lugar mais dois episódios semelhantes. No último, ocorrido num supermercado, o doente psiquiátrico que o protagonizou tinha como exigência intervir em directo nas televisões. Nenhum canal da televisão, pública ou privada, hesitou, em qualquer dos dois casos, em deslocar-se de «armas e bagagens» para a porta destes infelizes.
Tem de haver outro caminho! Os diversos operadores televisivos devem encontrar formas de auto-regulação que travem a espectacularização degradante da informação e da dignidade das pessoas. O respeito por princípios essenciais de serviço público, com o qual também os canais privados estão comprometidos, é a única defesa contra a ditadura das audiências.
Em Entre-os-Rios, de onde os canais têm medo de ser o primeiro a sair, seria necessário um pacto de seriedade e uma proposta de auto-regulação que restabelecesse o tratamento desapaixonado da tragédia e do que importa, verdadeiramente importa, discutir acerca dela.
Como refere, e eu subscrevo, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, não se pode condicionar o respeito pela ética a um recuo correspondente por parte da concorrência. Como aquele Conselho refere, quem o sugere limita-se a propor um «pacto de não-agressão comercial - com a ética jornalística como refém».
O balanço destas últimas semanas, devendo ser francamente debatido entre profissionais, tornou-se também um problema da cidadania. O respeito pelas regras deontológicas do jornalismo deve ser verificado eficazmente, desde logo pelos próprios profissionais. Mas é necessário que os espectadores de televisão, os ouvintes de rádio e os leitores dos jornais integrem e interfiram nesse diálogo, com a sua vigilância, através de canais abertos e permanentes.
A informação livre e rigorosa é um esteio da democracia. A aceitação silenciosa da degenerescência mercantil na informação nivela-a por baixo e esvazia de sentido a liberdade de expressão.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Para trás, ficam a noção de serviço público e a deontologia profissional. E, mais, Srs. Deputados, ficam também reduzidos a fatias de share e indefesos os cidadãos e os seus direitos. É preciso, obviamente, pôr termo a isso!

Aplausos do BE, do PSD e de alguns Deputados do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Reis e Basílio Horta
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de saudar a sua presença, pela primeira vez, na bancada do Bloco de Esquerda, do Sr. Deputado Fernando Rosas, exactamente dois meses depois de ter terminado o seu combate eleitoral na candidatura à Presidência da República, onde, aliás, obteve um honroso resultado. E, de certa maneira, penso que não se podia ter estreado

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