O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0392 | I Série - Número 11 | 12 de Outubro de 2001

 

desjurisdicionalização de actos a praticar no âmbito de acções executivas - penso, com isto, ter respondido à última parte da sua intervenção, apesar de não ter respondido à minha pergunta.
Na verdade, sabido é que se as acções declarativas são morosas maior morosidade ainda se verifica nas execuções que se arrastam muitos anos nas prateleiras das secções, terminando muitas vezes por impossibilidade de obter cobrança para títulos executivos.
Vários factores contribuíram para tal situação que redunda numa verdadeira explosão de títulos executivos.
A judicialização da crise social foi inevitável perante um incentivo claro e apelativo ao consumo que determinou um sobreendividamento das famílias portuguesas.
A inexistência de medidas sociais que debelassem a crise tornaram os tribunais em instâncias de resolução desses conflitos sociais. E daqui também resultou o aumento da morosidade da justiça.
Esta proposta de lei surge num momento em que já se fala de uma recessão económica inevitável, de uma anunciada descida das taxas de juro e de possíveis chamamentos apelativos ao aumento do consumo, o que, a verificar-se, e sem as necessárias medidas sociais, transferirá a morosidade da justiça para as secretárias dos solicitadores de execução e dos funcionários judiciais de execução.
Impõe também a verdade que se diga que, apesar da criação das secções de serviço externo, que poderiam ter potenciado uma maior celeridade da justiça, nunca foram estas secções dotadas de meios técnicos e humanos necessários a um eficaz desempenho das suas funções. A medida quase caiu em saco roto.
De maneira que surge esta proposta, como uma inevitabilidade. E entendemos que, de facto, é inevitável uma reforma, uma reforma com sinal positivo. Mas não é inevitável, e nunca o será, num Estado de direito democrático, o cerceamento de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em nome de uma justiça descaracterizada da sua face humana.
Assim, se concordamos com muitas das disposições da proposta, quanto à desjurisdicionalização de actos que não são, de facto, jurisdicionais, se concordamos, por exemplo, com a criação do juiz de execução, dos funcionários de execução, do oficial público de execução, pensamos, no entanto, que ela contém soluções que devem ser objecto de uma profunda reflexão, sendo algumas, em nosso entender, inconstitucionais ou quase roçando a inconstitucionalidade. Outras soluções cerceiam, para além do razoável, garantias dos cidadãos, o seu direito à defesa perante uma ordem injusta.
Estão entre as propostas que nos parecem muito discutíveis, algumas mesmo de rejeitar, as que se referem à redução dos casos em que é obrigatório o patrocínio forense, à desjurisdicionalização de actos intrinsecamente jurisdicionais, à imposição de medidas de coacção disfarçadas com a eficácia asséptica da máquina executiva.
Em primeiro lugar, penso que é importante reproduzir aqui algumas reflexões do Prof. Doutor Lebre de Freitas relativamente à situação única da ordem jurídica portuguesa perante outras ordens jurídicas europeias. E passo a citar: «A generalidade dos países europeus é avara na concessão de exequibilidade a títulos não judiciais (…).
Portugal constitui o País europeu mais generoso na concessão da exequibilidade, progressivamente mais aberta e finalmente concedida pela revisão de 1995-1996 a todo o documento particular que, não respeitando a prestação de entrega de coisa imóvel, contenha o reconhecimento de uma dívida líquida ou liquidável por mero cálculo aritmético, ainda que não se apresente reconhecida a assinatura do devedor. Dado o aumento que tal representa, do risco de imputar a autoria do documento particular a quem não o haja subscrito, a abertura foi compensada (…)» com o artigo 812.º do Código de Processo Civil, em matéria de suspensão resultante de recursos de agravo. E acrescenta o Prof. Doutor Lebre de Freitas: «Ao actuar no campo da acção executiva, o legislador não pode esquecer esta especificidade do título executivo na lei portuguesa».
Ora, a proposta de lei, contrariando até, neste aspecto, o artigo 32.º do Código de Processo Civil, cuja alteração não se propõe, reduz os casos em que é obrigatória a constituição de advogado, o que não parece ser uma forma de dignificar o patrocínio forense.
O legislador parece simpatizar muito mais com as situações em que o exequente fica sob a alçada do oficial público de execução, do funcionário judicial de execução, entregue a uma minuta «standardizada» de um formulário onde se apõem umas cruzinhas.
Esta proposta contraria, aliás, o espírito do artigo 208.º da Constituição da República, que considera o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. E a proposta tende a favorecer uma solução menos garantística dos direitos dos cidadãos.
Não se trata aqui de uma questão corporativa, embora o percurso dos diplomas do Ministério da Justiça, que um dia seria curioso analisar nesta óptica, possam levar a que um estudioso conclua - talvez erradamente, dirá o Sr. Ministro, e eu direi «talvez ou não» - que, nuns diplomas, se privilegia uma classe que logo, noutros, se desatende, para, no seguinte, favorecer.
Tudo isto, quando o que está verdadeiramente em causa não são questões corporativas mas os direitos do cidadão.
É assim que não pode entender-se o que consta da proposta de lei, por exemplo, sobre o processo especial de execução hipotecária. Outros ordenamentos jurídicos atribuem, é certo, a competência para a venda de bens aos notários, mas não se pode fazer uma transposição cega de disposições de outras ordens jurídicas.
Sabe-se que os licenciados em Direito na carreira dos registos e notariado foram «aliviados» das suas tarefas com a privatização de actos notariais, mas, mesmo assim, impõe-se que se pergunte se as conservatórias do registo predial dispõem de instalações adequadas para o efeito e de funcionários para as novas tarefas.
Segundo o Presidente da Associação dos Conservadores e Notários, os conservadores dispõem de competência técnica, e não duvidamos disso, mas os funcionários precisam de formação específica que não está prevista.
Outro membro da referida Associação comentou que a nova medida governamental assenta na miragem da informatização dos registos, sendo, segundo ele, esse o problema. Cito: «O Governo já está a pensar que a informatização dos registos vai permitir uma grande disponibilidade de tempo e de pessoas, só que, por enquanto, essa informatização ainda é uma miragem».