O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0477 | I Série - Número 14 | 19 de Outubro de 2001

 

Contudo, há, depois, um problema económico, que é o problema da conjuntura económica. Estamos hoje confrontados com uma recessão. Disseram-nos que não era assim durante muito tempo, porque era preciso «encanar a perna à rã». Mas estamos num período de desaceleração, com a explosão da «bolha» especulativa bolsista, desde Março de 2000, há um ano e meio, e estamos numa profunda recessão económica desde o segundo trimestre do ano 2001, há pelo menos seis meses, nos Estados Unidos e na Europa, para já não falar do Japão, que está em recessão económica desde há nove anos.
Por isso, Sr. Deputado Francisco Torres, não basta um juro baixo, porque este pode não garantir absolutamente nada, do ponto de vista do investimento privado e das condições do relançamento da economia - é o caso do Japão e é, provavelmente, o risco que podemos correr ao nível da Europa.
É preciso um conjunto de políticas económicas e sociais, ou seja, margem de manobra, capacidade orçamental, intervenção activa nas escolhas sociais. Vale a pena lembrar que no programa operacional, a que o Governo se comprometeu e que, agora, naturalmente, renegou, estavam consagrados outros compromissos, que, por razões inteiramente opostas, são também postos em causa. Neste programa, é reafirmada a reforma fiscal, tal como ela foi aprovada há um ano atrás; neste programa, o Governo comprometia-se a que a nova tributação sobre o património imobiliário, substituindo o imposto de sisa, a contribuição autárquica e o imposto sobre sucessões e doações, estivesse em vigor no dia 1 de Janeiro de 2002 - está lá escrito! Nada disto vai ser cumprido, por razões de mera gestão política, ou seja, de falta de estratégia; e o debate, aqui, é sobre estratégia económica.
Ora, porque estamos numa recessão, ela lembra-nos a evidência mais importante da política económica de sempre: por que razão é que há alguém que espera que seja uma boa política a de ter défice zero em 2004?! Expliquem-me por que é que défice zero é uma boa política! Estamos na Idade do Ouro?! Chegámos ao milénio em que não existe crise económica, em que não existem problemas de reajustamento económico?! Só na expectativa burlesca - burlesca, repito - de que não haja flutuações económicas é que se pode dizer que uma boa política económica é ter défice zero! Nunca pode ser assim! E não pode ser assim por razões mais importantes, que dizem respeito a Portugal: défice zero significa paralisar o crescimento e o processo de convergência real em relação a Portugal, mas significa também impossibilitar toda a União Europeia, assim espartilhada, de ter qualquer política económica eficiente sempre que houver um ciclo económico negativo.
Este é o problema do Pacto de Estabilidade. Por que é que ele está errado? Por que é que hoje é preciso uma «leitura inteligente» - diz-nos o Governo, presumindo que a anterior não o era tanto? Por que é que hoje é preciso inteligência? É sempre precisa inteligência, porque uma política pró-cíclica é prejudicial. Quando estamos em depressão, uma política que agrava a depressão é um erro, uma tragédia e uma irresponsabilidade.
Se o Governo aceitasse continuar a avançar para o défice zero, quando estamos em ciclo negativo, em depressão, estaria a provocar desemprego, prometa o que prometer o Deputado Jorge Coelho. E prometam-nos o que nos prometerem, o facto é que essa política económica promove a crise, a recessão, e a recessão paga-se em desemprego e em desajustamento.
É este o erro do Pacto de Estabilidade. O Pacto de Estabilidade presume que o curso para o «Orçamento zero» tem de ser independente do ciclo económico, e, por isso, explodiu! Não estamos a discutir a suspensão do Pacto de Estabilidade ou a sua substituição, pois ele já fracassou! Todos foram beneficiados por luzes de inteligência de um momento para o outro, nenhum dos grandes países o vai cumprir, nenhum o quer cumprir, e nenhum sabe se o vai cumprir em 2004.
Mais do que isto, o Banco de Inglaterra declarou ontem que, de acordo com a sua projecção, esta recessão económica vai continuar até 2004. Ninguém sabe, pode ter razão ou não! Provavelmente, vai ser uma recessão profunda, mais do que a de 1993 e de 1994 - provavelmente, mas veremos! -, o que quer dizer que não temos nenhuma ideia do que pode acontecer em 2004.
A única razão para se dizer que não se cumpre, em 2001, o Pacto de Estabilidade, que não se cumpre, em 2002, o Pacto de Estabilidade, que, em 2003, logo se vê e que, em 2004, já será outro governo, ou o mesmo Governo refrescado por umas eleições, é a expectativa de que «enquanto o pau vai e vem, folgam as costas»! Portanto, fica-se à espera do que acontecer. Não há nenhum compromisso, a não ser palavras absolutamente ocas! São promessas que ninguém pode sustentar, e, portanto, que ninguém pode infirmar, que não se podem confirmar ou refutar. Nada sabemos sobre isso, a não ser que agora estamos nesta crise, e esta crise demonstra que este Pacto é errado, por tudo isso.
Ora, se a crise se desenvolve, o que se isso exige aos governos é uma capacidade de resposta, de contraposição, de política anticíclica, e é por isso que têm razão as vozes que dizem que o sensato é poder utilizar os 3%, ou poder utilizar a resposta às necessidades de défice orçamental que decorram da política económica que temos de ter.
É claro que sobra um argumento: é preciso disciplina orçamental. Com certeza! E dizem-nos sempre que quando há gastos do Estado, e todos os portugueses o sabem, há desperdício orçamental, há sinecuras vergonhosas, há lobbies e interesses instalados que vivem do «banquete» orçamental. Isto é inteiramente verdade, e recusá-lo seria irresponsabilidade. O problema está em saber como é que se pode combater essa ineficiência orçamental.
Foi por isso que, aquando do debate do Orçamento, o Bloco de Esquerda sugeriu, insistiu e continuará a insistir que há um único método que permite responder a esta situação, que é o de preparar um Orçamento de base zero. Sempre que um governo, qualquer que ele seja, continuar a fazer subir as despesas orçamentais por mero acréscimo de dotação em relação a percentagens calculadas sobre os gastos anteriores está, necessariamente, a confortar todas as desigualdades e todos os desperdícios que já estão instalados e que são, eles próprios, os geradores dos cálculos.
No momento em que, em contrapartida, tiver de fazer o cálculo e a justificação de cada uma das rubricas da despesa, direcção-geral a direcção-geral, serviço a serviço, ministério a ministério, então aí teremos a certeza de que são limpas grandes parte das ineficiências. Isto prometeu-nos o Governo em 1999, e não cumpriu; abandonou a promessa em 2000 e em 2001, e no Orçamento do Estado para 2002 também não o fará.
Era altura de assumir esta responsabilidade, porque não existe outro meio, não existe nenhum outro meio concreto de impor a disciplina orçamental e o rigor. Mas o rigor deve