0480 | I Série - Número 14 | 19 de Outubro de 2001
1997 e por dois regulamentos do Conselho, um relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas, e outro relativo à aceleração e clarificação da aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos.
Ora, esta resolução e estes regulamentos constituem instrumentos fundamentais para impedir a existência de défices orçamentais excessivos e generalizados, e esta é, claramente, uma obrigação decorrente do Tratado da União Europeia, aliás prevista no artigo 104.º-C.
Por outro lado, o exercício da supervisão multilateral, que é o objecto do primeiro destes regulamentos, releva também do disposto no Tratado, no seu artigo 103.º.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento é pois um pilar da constituição económica da União Europeia. E comporta, até, um regime de flexibilidade e suspensão da aplicação dos limites previstos para o défice orçamental e o rácio da dívida pública, em caso de recessão grave e prolongada.
Ora, por força da sincronia do abrandamento económico das principais economias do mundo e das sequelas do hediondo ataque terrorista de 11 de Setembro, o crescimento económico na União Europeia deverá continuar a ser positivo em 2002 e até 2004, embora sujeito a forte abrandamento.
Não se encara, pois, como provável o cenário de uma recessão grave e prolongada. Mas mesmo que tal cenário viesse a acontecer, o Pacto comporta a flexibilidade suficiente para não ter que ser alterado ou ver a sua aplicação suspensa.
Acresce que a União Europeia já reagiu à situação que estamos a viver depois de 11 de Setembro e, em sede própria, a Comissão Europeia anunciou que a supervisão anual dos programas de estabilidade dos Estados-membros de 2001 a 2004 será flexibilizada, admitindo-se que, por cada menos 1% de crescimento que a revisão das perspectivas económicas obrigue, o défice das administrações públicas poderá aumentar 0,5% em relação ao PIB.
Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª não tem nem razão quando coloca a ideia de que o Pacto não se inscreve no Tratado, sendo a sua observação, no plano jurídico-formal, completamente errada, e, por outro lado, também é completamente errado o que aqui disse há pouco, de que a União Europeia não previa uma flexibilização da interpretação do Tratado por causa da situação de conjuntura económica depressiva que estamos a viver.
Elucidativo, aliás, a tal ponto que dispensa comentários, é também o facto de nenhuma das iniciativas em apreço fazer sequer alusão aos terríveis acontecimentos de 11 de Setembro, ao seu significado como atentado civilizacional e às suas sequelas sobre a segurança e a economia internacionais. É realmente chocante que este ponto não tenha sido vertido para estes diplomas.
Conclui-se, pois, facilmente, que, do ponto de vista jurídico-formal, as iniciativas em apreço, do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, são não só improcedentes como assentam em fundamentos irrelevantes. Mas tal como não há almoços que sejam grátis, também não há iniciativas políticas condenadas ao fracasso que sejam inocentes. Inocência é atributo que seria injurioso atribuir ao Partido Comunista Português pela sua maturidade organizativa e ao Bloco de Esquerda pela sua radicalidade obsessiva. Ambos querem o mesmo: «instabilizar» a construção europeia, em nome de projectos de socialismo, que ninguém sabe quais são, e que os próprios ainda não definiram, mas que gostaríamos de ver definidos. Mas, para tais desígnios, mais ou menos comuns, pouco importa se se atropela ou não a ciência económica; o fim justifica sempre o meio. O óbice, porém, é que o Pacto de Estabilidade e Crescimento está bem fundamentado no que a profissão economista entende serem as regras basilares que devem nortear a política orçamental e de finanças públicas.
Recordemos, brevemente, a regra de ouro das finanças públicas - V. Ex.ª referiu-se ao milénio de ouro, mas deveria referir-se à regra de ouro das finanças públicas, que V. Ex.ª muito bem conhece e sabe que o Pacto a subscreve inteiramente. O artigo 104.º-C do Tratado estabelece o princípio de um valor de referência para o défice global, 3% do PIB, mas acrescenta que, no caso do valor de referência vir a ser ultrapassado, a Comissão analisará se o défice orçamental excede as despesas de investimento. Isto é, se se compagina ou não com a regra de ouro das finanças públicas.
Recordemos também a função contracíclica dos estabilizadores automáticos. O Pacto pretende que eles funcionem em pleno, sobretudo em caso de abrandamento ou recessão, e, por isso mesmo, recomenda que nos programas de estabilidade de médio prazo dos Estados-membros se venha a atingir a médio prazo um défice orçamental estrutural nulo - um défice orçamental estrutural nulo, Sr. Deputado Francisco Louçã! Isto é, Sr. Deputado Francisco Louçã, o défice não depende da flutuação cíclica, precisamente por isso é que o objectivo é um défice orçamental estrutural nulo para que, no caso de uma recessão ou de um conjuntura depressiva, os estabilizadores automáticos a funcionar em pleno permitam que os governos tenham políticas contracíclicas de tal forma que o défice possa ir até 3% do PIB. É isto que o País precisa, e é isto que o País não vai ter, porque, em Portugal, dada a política imprudente de gestão das finanças públicas, não é possível deixar funcionar em pleno os estabilizadores automáticos, como todos nós muito bem sabemos - e a proposta de Orçamento do Estado para 2002 mostra-o claramente a todas as pessoas que ainda não tenham entendido.
É esta a filosofia económica da construção europeia, que é unanimemente reconhecida por todos os governos dos Estados-membros, isto é, que o Pacto é um instrumento indispensável para se criar um forte crescimento económico sustentável conducente à criação de mais e melhor emprego.
Eis, pois, demonstrado que os partidos subscritores das presentes iniciativas se colocam, deliberada e conscientemente, fora do arco plural em que se está a fazer a construção europeia e o debate dos seus caminhos e opções.
Mas esta iniciativa, não sendo inocente, também não é inútil. Serve, deliberadamente ou não, ao PS para exercitar o papel em que é verdadeiramente inexcedível, o da «vitimização».
Neste momento, em que o PS apresenta um Orçamento do Estado para 2002, com um grau de fantasia, irrealismo e de ziguezague nunca antes atingido, quando o programa de estabilidade que apresentou à União Europeia em Janeiro de 2001 enferma de um irrealismo igualmente delirante, esta reflexão, pretensamente científica, apoiada num keynesianismo bacoco, que injuria a memória do invocado, «cai que nem sopa no mel» para a «vitimização», do costume, do PS. Mas estamos a entrar no tempo em que «tantas vezes o cântaro vai à fonte que parte».
Do irrealismo do Orçamento do Estado para 2002 não cabe ocupar-me agora e aqui, mas do irrealismo do