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0471 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003

 

Tenho, por formação e desempenho profissionais, alguma experiência na área da reabilitação e recuperação urbanas e creio que os processos de facilidade na execução dos projectos, nos concursos e nas adjudicações por ajuste directo não são bons conselheiros e que não é por aí que a reabilitação urbana em Portugal poderá ver melhores dias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Há quase dezasseis meses que o PCP aguarda uma proposta de lei do Governo relativa à reabilitação urbana de zonas históricas ou antigas. Há quase ano e meio - foi no final de Junho de 2002 - que debatemos neste Plenário o projecto de lei do PCP com vista à recuperação de edificações devolutas e degradadas; há quase ano e meio que o projecto do PCP aguarda, calmamente, na comissão especializada, que a ele se junte uma proposta de lei do Governo sobre o mesmo tema.
Finalmente a proposta de lei do Governo chegou a esta Casa! Só que, infelizmente, Sr.ª Secretária de Estado, as soluções adiantadas na proposta de autorização legislativa não são as melhores, não são aquelas que julgamos necessárias para realizar uma autêntica recuperação patrimonial de centros históricos ou antigos de aglomerados urbanos.
Pelo contrário, a serem utilizados os instrumentos propostos, a recuperação do património construído poderá será acompanhada de uma fortíssima ruptura no tecido económico e social das zonas históricas e dos muitos bairros e quarteirões que povoam os núcleos antigos das nossas cidades.
E, Sr.ª Secretária de Estado, permita-me que lhe diga o seguinte: uma recuperação autêntica não tem apenas a ver com os edifícios, é também aquela que conserva os moradores nos seus bairros e nas suas ruas de origem.
Uma coisa consensual, pelo menos ao nível do discurso, é a necessidade de reabilitar e recuperar centros históricos e antigos; outra coisa são os procedimentos e métodos para lá chegar.
Uma coisa é recuperar e reconstruir sem expulsar os moradores e comerciantes que vivem nessas zonas históricas - essa é a postura que defendemos; outra coisa bem diferente são os instrumentos que o Governo propõe e que fazem caducar coercivamente a generalidade dos contratos de arrendamento habitacional e a totalidade dos contratos de arrendamento comercial existentes nas zonas de intervenção.
Com excepção dos arrendatários com idade superior a 55 anos ou dos arrendatários com deficiência - e mesmo estes apenas se aceitarem aumentos de renda posteriores, que podem atingir 20% -, todos os outros arrendatários serão despejados.
Ao que parece, a reboque desta proposta, o Governo pretende fazer uma espécie de alteração ou suspensão da Lei do Arrendamento. Trata-se, assim, de criar a possibilidade de poderem ser feitos milhares de despejos nas zonas históricas e antigas das nossas cidades.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Não é apenas a utilização destes instrumentos que nos afasta da proposta do Governo e que a afasta, profundamente, do projecto de lei do PCP que aqui debatemos há ano e meio. Há ainda outros aspectos centrais: com esta proposta, o Governo aponta uma via única para a recuperação do património edificado - aliás, é a própria Associação Nacional de Municípios quem o diz; impõe-se às câmaras a constituição de "Sociedades de Recuperação Urbana"; impõe-se às câmaras, na prática, a obrigatoriedade de constituir estas empresas sob pena de não poderem, de facto, intervirem na recuperação patrimonial.
Não é, pois, politicamente sério dizer que as câmaras municipais têm a faculdade de decidir não criar SRU quando depois, no articulado, não se clarifica nem se explicita que poderão, também, utilizar todos - mas todos - os mecanismos regulamentares que o Governo agora cria para as sociedades e, sobretudo, sem permitir que as câmaras disponham de mecanismos de acesso directo a meios de financiamento capazes de enfrentar os problemas e poderem elas assumir as responsabilidades na recuperação do património construído.
Noutro plano, o Governo propõe atribuir às SRU competências ao nível da elaboração e aprovação de instrumentos de planeamento - por exemplo, os planos de pormenor -, ao nível do licenciamento e do estabelecimento de servidões administrativas e sobretudo ao nível da gestão de processos expropriatórios, cujos contornos nos merecem muitas dúvidas quanto à sua conformidade legal e também constitucional, e que terão de ser esclarecidos rapidamente.
Tanto mais que o Governo propõe, também, que todas estas competências possam, por sua vez, vir a ser transferidas da posse das SRU para a mão de parceiros privados contratados para a execução das empreitadas. Ou seja, o Governo quer transferir, por exemplo, a condução de processos de expropriação para as mãos de promotores privados encarregados de obras de reabilitação. A ideia é politicamente inaceitável, mas é igualmente muito questionável do ponto de vista da sua conformidade com o quadro constitucional actual.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaríamos de contar com a disponibilidade do Governo para alterar aspectos centrais dos instrumentos propostos, gostaríamos de contar com a disponibilidade da maioria parlamentar para que a recuperação do património não se transforme numa monumental e inaceitável operação de expulsão de antigos moradores e comerciantes. Se assim não for, a nossa posição crítica será assumida em conformidade.