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5425 | I Série - Número 100 | 25 de Junho de 2004

 

do Trabalho. O Código do Trabalho veio regular, pela primeira vez, de forma clara e inequívoca, a videovigilância nos locais de trabalho, designadamente nas empresas, em condições que não foram submetidas, em nenhum momento antes da aprovação, a escrutínio da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). Aconteceu mesmo uma coisa, que é um case-study internacional, que foi a Assembleia da República aprovar, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o diploma em Abril de 2003 e só em Maio de 2003 ter sido accionado um mecanismo que permitiu uma consulta da CNPD, consulta essa que não teve qualquer eco na segunda leitura do diploma. Foi assim que entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa um regime melindroso, que veio, depois, a ser regulamentado em termos mais cautelosos - e, aí, com audição da CNPD - no regulamento do Código do Trabalho recentemente aprovado, regime melindroso esse que, noutros Estados democráticos, deu origem a discussões alargadas entre centrais sindicais e patronais, organismos consultivos, estruturas parlamentares competentes, e a um diálogo com a opinião pública. Isso não aconteceu em Portugal, o que é deveras singular, bizarro e, devo dizê-lo, malsão, descontados uns tantos artigos de jornal e alguns pequenos "ais!", um dos quais foi certamente meu, em várias ocasiões, mas francamente, é preciso dizê-lo, sem qualquer eco social.
Ora, julgo que é impressionante que isso tenha podido acontecer e julgo que isso não acontecerá neste caso. Nesse sentido, é positivo que a Assembleia legisle e será positivo, como o relatório da 1.ª Comissão deliberou por unanimidade, que a Comissão Nacional de Protecção de Dados seja ouvida sobre esta matéria. Ela deve ser ouvida, entre outras razões, porque tem dedicado a este tema um labor insubstituível e de altíssimo mérito, que culminou, aliás, numa deliberação que autodefine critérios orientadores, os quais não deixam de aplicar-se ao campo que é regulado por este projecto de lei do Partido Popular.
Portanto, esse saber, que se inspira, de resto, na experiência internacional que resulta da participação no Grupo de trabalho do artigo 29.º, criado no âmbito da União Europeia e das suas autoridades de protecção, esse saber e esse labor devem ser aproveitados e tidos em conta pela Assembleia da República no momento em que se discute esta matéria.
Em segundo lugar, é necessário que façamos um ponto de situação. Em Portugal, o quadro desenvolveu-se sem lei de enquadramento genérica. Não é um cenário satânico, pois assim aconteceu noutros Estados. Teria sido, porventura, preferível haver uma lei-quadro da videovigilância e, depois, microlegislação, a regulamentar a videovigilância nas discotecas, nos estabelecimentos bancários, em outros sítios públicos, ou, ainda, nos casinos, como há dias a microrregulamentámos através de um diploma próprio, que, de resto, resultou de uma iniciativa conjunta dos grupos parlamentares em substituição de uma proposta do Governo. Mas, tendo sido esta historicamente a via que se seguiu, bom é que tenhamos consciência das lacunas. Ora, é precisamente à questão das lacunas que gostaria de dedicar alguns segundos.
As lacunas são, em alguns casos, verdadeiramente impressionantes. Esta é-o por definição. Mas se o Sr. Deputado Telmo Correia, que estudou especialmente esta matéria, atentar no que reza o artigo 2.º, n.º 3, do projecto de lei que subscreveu, verá que aí se diz: "Para efeitos de fiscalização de infracções estradais, ficam as forças de segurança autorizadas a aceder às imagens captadas pelas entidades que controlam o tráfego rodoviário." É uma autorização, com força legal e valor permanente, para acesso a imagens captadas.
Mas a questão que se coloca é esta: e qual é a credencial legal que autoriza as entidades que recolhem imagens de tráfego rodoviário a fazê-lo? Esta questão não é fácil de responder e a Comissão Nacional de Protecção de Dados, colocada perante ela, não encontra no quadro legal arrimo. Talvez venha a encontrá-lo indirectamente nesta disposição legal, mas convenhamos que é uma forma muito ínvia de legalizar a captação de imagens de tráfego rodoviário. Devíamos fazê-lo de frente, com cautelas, garantindo que essa recolha de imagens não vibre um golpe liberticida em direitos de cidadãos e garantindo, aliás, proibições de determinado tipo de aproximação e da captação de determinados dados que podem ferir seriamente a intimidade da vida privada e que, de resto, como o Conselho da Europa assinala, podem gerar um clima de intimidação que leva a que os cidadãos, quando estão num sítio público, se comportem de forma puramente antinatural, porque sabem, ou saberão, que estão sob escrutínio, escrutínio esse que pode abranger gestos que nada justifica que sejam captados. Trata-se, pois, de lacunas indesculpáveis, que é necessário ultrapassar.
Em terceiro lugar, gostava de chamar a atenção para a questão da estratégia de videovigilância. Uma coisa é enquadrar o uso da videovigilância pelas polícias, outra, é a existência de uma estratégia. Essa estratégia, Sr. Deputado Telmo Correia e Srs. Deputados, tem de existir. Ou seja, não basta comprar câmaras de vídeo, pô-las nas mãos das forças de segurança e dizer "agi em defesa das pessoas e bens". Essa estratégia tem de ser definida pelos órgãos competentes e deve sê-lo muito cuidadosamente. Posso dar um exemplo: pernoito muitas vezes no bairro de Alfama e pude inteirar-me em detalhe do sistema de videovigilância que foi instalado pelo município. É um sistema que foi dispendioso, que tem finalidades de controlo da circulação e que paradigmaticamente não serve, em nada, para forças de segurança e para fins de segurança. São imagens que servem para fins rotineiros, que custam milhares de contos para captação