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0385 | I Série - Número 008 | 01 de Outubro de 2004

 

muito em especial (…) com as que tenham profundas tradições culturais e éticas entre as populações locais no que respeita às actividades sociais, caritativas, missionárias, culturais e educativas".
Não seria possível resumir sequer o papel especial e único da Igreja Católica na nossa comunidade, como, aliás, na própria comunidade internacional. O insuspeito Fareed Zakaria é mais um autor a reconhecer recentemente que, se a Igreja Católica não se viu a si própria como um paladino da liberdade, pelo menos até há algumas décadas, "desde o começo, opôs-se tenazmente ao poder do Estado e, com isso, limitou o poder do Príncipe (…), foi a primeira grande instituição independente da História a desafiar o poder temporal e, ao fazê-lo, ela fissurou o edifício de poder do Estado e foi nas suas falhas e esconderijos que se começou a desenvolver a liberdade individual".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tal atitude decorria, digo eu agora, necessariamente, do mandato do seu Fundador, bem conhecido: "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Isso é revisionismo!

O Orador: - Pode dizer-se, é claro, que nem sempre foi assim e que houve épocas de fortes tentações teocráticas e outras, ainda mais numerosas, de cesarismo, ou seja, no primeiro caso, de utilização, pela Igreja Católica, da máquina do Estado, no segundo caso, de utilização das Igrejas nacionais pelos Estados para prosseguirem as suas políticas próprias.
Para nos concentrarmos na actualidade, o que não se pode negar é o papel desempenhado pela Igreja Católica na promoção da pessoa humana, dos mais pobres, dos mais carenciados em alimentos, em bens materiais, em educação e cultura, em direitos sociais, bem como da justiça e da paz. E não estou, evidentemente, a referir-me só aos membros do clero, mas igualmente a muitos milhares de leigos, alguns muito jovens, que, no voluntariado, integrados nas mais diversas organizações, dedicam boa parte do seu tempo e das suas vidas, em Portugal, nos países de língua oficial portuguesa e noutros pontos do mundo, a promover o direito fundamental, reconhecido numa declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas, ao desenvolvimento das pessoas e dos povos, a dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, combatendo as discriminações contra as mulheres e o abandono de crianças e idosos, lutando contra a fome, a doença, a miséria, a guerra e suas consequências.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este facto não faz esquecer o que outros portugueses, de outras confissões ou membros de organizações não governamentais, também fazem e aos quais, evidentemente, também prestamos a nossa homenagem. Mas há, na verdade, uma grande diferença de escala.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Isso é uma leitura de direita da Igreja!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para além da eliminação de algumas disposições de duvidosa constitucionalidade, a nova Concordata consagra alguns princípios fundamentais que estão também na Lei da Liberdade Religiosa: o princípio da autonomia, independência e separação do Estado e da Igreja, cada um na sua própria ordem, que sofria graves limitações e não era, aliás, garantido pelo texto da Concordata ainda vigente, como já referiu o Sr. Deputado Jaime Gama, e o princípio da cooperação, também consagrado na Lei da Liberdade Religiosa e antes não afirmado no texto vigente da Concordata.
Depois da aprovação destes dois textos, podemos considerar que o ordenamento português das relações entre o Estado e as confissões religiosas passará de um modelo de separação relativa para um modelo de separação/cooperação ou separação com cooperação.
O princípio da liberdade religiosa, consagrado na Constituição e na lei de 2001, assume características não apenas passivas mas activas, como reconheceu o Tribunal Constitucional, em 1993, "um valor positivo, requerendo do Estado não uma pura atitude omissiva, uma abstenção, um non facere, mas um facere traduzido num dever de assegurar ou propiciar o exercício da religião."
Ela não é apenas uma liberdade de consciência individual mas também é um direito colectivo de organização, reunião, comunicação e educação. Abarca não só aquela liberdade mas também a liberdade comunitária das Igrejas, como nota o Professor Manuel Braga da Cruz, "pois não há religião sem esta dimensão social comunitária. A liberdade religiosa não é só uma liberdade privada, mas também uma liberdade pública".