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0384 | I Série - Número 008 | 01 de Outubro de 2004

 

Por outro lado, a evolução da situação do mundo dos nossos dias aponta novos objectivos para uma nova cooperação entre o Estado e as confissões religiosas e, de um modo especial, a Igreja Católica: a globalização irreversível na economia, nas tecnologias, nas comunicações, que tem de ter em conta os limites impostos pela dignidade da pessoa, evitando a marginalização de povos inteiros ou de fracções significativas, ainda que minoritárias, de cada comunidade - basta lembrar a parte da população afectada pela pobreza - e promovendo a paz, a justiça, a liberdade e a diversidade cultural.
Também a Lei da Liberdade Religiosa, que esta Assembleia aprovou, depois de debate alargado, em 2001, embora não se aplicando directamente à Igreja Católica, por força, ressalvado o primado da Constituição, da supremacia do direito internacional sobre o direito interno e do seu artigo 58.º que expressamente ressalvou a legislação aplicável à Igreja Católica, veio estabelecer princípios hoje generalizadamente aceites e que, forçosamente, teriam de reflectir-se na nova Concordata. Foi o que aconteceu.
Ora, a laicidade é, hoje, sinónimo não só da não confessionalidade do Estado mas também de pluralismo religioso e das consequências que dele há que tirar, mas distingue-se do laicismo, que é uma ideologia que visa, pelo menos, a não cooperação entre o Estado e as confissões religiosas. Lembro que o Professor Gomes Canotilho escreveu que "o princípio de neutralidade do Estado aponta para a laicidade e não para o laicismo. Ele preclude qualquer pré-compreensão negativa oficial relativamente à religião em geral ou a determinadas crenças religiosas em particular".
Importa, no entanto, questionar as razões de um tratamento diferenciado em relação à Igreja Católica. Em primeiro lugar, como aqui já foi dito, por se tratar de um sujeito de direito internacional, como tal considerado por toda a comunidade internacional e como tal reconhecido anteriormente à própria independência de Portugal. Aliás, de acordo com as regras do tempo, foi a própria Santa Sé que procedeu ao reconhecimento da independência do nosso país, no ano 1179. E a nossa Pátria não pode, com certeza, apesar do longo tempo decorrido, ou talvez por isso mesmo, esquecer este facto.
Mesmo anteriormente a esse acontecimento do máximo relevo, já algumas concordatas tinham sido assinadas pela Santa Sé, como a conhecida Concordata de Worms que, em 1122, pôs termo à querela das investiduras.
Ao longo dos séculos, a Igreja e numerosos Estados, incluindo Portugal, utilizaram inúmeras vezes esta categoria de pacto formal para definir o estatuto jurídico da Igreja no ordenamento dos Estados ou para regular em conjunto várias matérias de interesse comum. Vigora actualmente um número muito significativo de concordatas mais recentes, celebradas com múltiplos países de quase todos os continentes. Por esta razão, a todas elas é exigida a forma de tratado internacional para alterar ou substituir um tratado anterior.
O Professor António Luciano de Sousa Franco, a quem presto a grande e sentida homenagem que merece, pelo seu trabalho, coerente com a sua vida, que tive o grande privilégio de acompanhar com muita amizade, pela sua superior inteligência, dedicação e cultura também na preparação do texto da nova Concordata, interrogava-se, em intervenção proferida no dia 24 de Maio passado: "Será que ela visa substituir, como Direito Internacional próprio e autónomo da Igreja Católica, a Concordata de 1940, nomeadamente para os efeitos do artigo 58.º da Lei da Liberdade Religiosa, isto é, definindo, com exclusividade e com prevalência sobre a Lei da Liberdade Religiosa, o estatuto próprio da actividade religiosa da Igreja Católica, dos seus fiéis, dos seus eclesiásticos e das suas pessoas colectivas ou jurídicas? Penso que sim, mas havendo subordinação à Constituição. (…)"
Por outro lado, é claro, como sublinhou, entre outros, o Professor Jorge Miranda, que os princípios constitucionais se compadecem com o tratamento diferenciado de várias confissões em razão do modo como elas se encontram difundidas entre as pessoas na comunidade, sem tratamentos discriminatórios. "O essencial está em que a regra da liberdade, em todos os aspectos, valha para todas as confissões, seja qual for o número dos seus fiéis, e que todas as organizações religiosas gozem dos mesmos direitos constitucionais e legais. Mas o princípio não impede a subsistência de regras específicas imediatamente dirigidas à Igreja Católica - por força da sua realidade histórica e sociológica -, desde que estas regras correspondam a critérios de objectividade, necessidade e adequação".
Também as matérias que assumem dimensão ou contornos especiais relativamente à Igreja Católica, como se reconhecia no preâmbulo do projecto de lei n.º 27/VIII, justificam a existência de uma concordata. É o caso do património cultural, da definição dos feriados, da criação de organizações da Igreja, entre outros aspectos.
Eu próprio tive oportunidade de referir, nesta Assembleia, as posições acolhidas pelas organizações internacionais que promovem os direitos humanos, caso do Conselho da Europa, sobre as relações entre o Estado e as religiões. A sua Assembleia Parlamentar adoptou, em 2000, uma recomendação aos governos dos Estados-membros para promoverem melhores relações com as religiões, nomeadamente, "implicando as comunidades e as organizações religiosas na defesa de valores democráticos e na promoção de ideias inovadoras" e "alargando e reforçando a cooperação com as comunidades e organizações religiosas e