0007 | I Série - Número 016 | 02 de Novembro de 2006
Não estamos, aqui, hoje a discutir o mérito do diploma que o Governo apresenta, nem sequer as suas soluções. Teremos oportunidade de o fazer. Estamos hoje a discutir outra coisa: aquilo que se pode e não se pode fazer em termos constitucionais, aquilo que inevitavelmente ficará para leitura de quem tem a competência do juízo sobre a constitucionalidade e aquilo que o Partido Socialista parece querer fazer, que é um atropelo à Constituição da República, uma lesão a um valor superior, que é o da estabilidade dos Estatutos Político-Administrativos, que é ínsito da estabilidade da autonomia regional e, por isso, está acima de qualquer debate da lei das finanças regionais.
O Partido Socialista quer fazer esse atropelo e seguir em frente. É uma fuga em frente, talvez à espera das eleições de 2008 nas Regiões Autónomas, talvez à espera da abertura do processo de revisão ordinária da Constituição da República, talvez à espera da mesma maioria na Assembleia da República em 2009… Enfim, tudo isso é já no desígnio divinatório do que possa vir a acontecer.
Agora, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados do Partido Socialista, o parecer, a que a vossa maioria aderiu, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tenta, objectivamente, vergar um valor primacial da nossa Constituição: a estabilidade dos Estatutos Político-Administrativos! Se não estavam satisfeitos, se não consideravam de boa política os dispositivos que foram incluídos no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, em particular, no tempo certo e no tempo próprio, deviam ter tomado outra posição.
Gostaria de recordar à Câmara, e em particular ao Partido Socialista, que, na revisão constitucional de 2004, acerca do artigo 226.º da Constituição da República Portuguesa, lamentavelmente e apesar de todos os avisos feitos pelo meu grupo parlamentar, o Bloco de Esquerda foi o único partido que se opôs à disposição que ficou contida na Constituição da República Portuguesa.
Por isso, não podem hoje vir dizer que não têm outra forma de potenciar a vossa política, nomeadamente em termos de lei de finanças regionais. Não têm desculpa, não têm o álibi, não têm qualquer valor constitucional para preservar e para suportar a vossa política.
Nesse sentido, Sr. Presidente, não podemos acompanhar o parecer da 1.ª Comissão e entendemos que, parcialmente e naquilo que materialmente importa, há fundamento no recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Aplausos do BE.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão hoje em debate é unicamente a da conformidade constitucional da proposta de Lei de Finanças das Regiões Autónomas, apresentada pelo Governo.
A esse respeito, importa recordar que a Constituição da República Portuguesa, nos seus princípios fundamentais, concretamente no seu artigo 6.º, sobre o Estado unitário, diz, no n.º 1, que "O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular (…)" e, no n.º 2, que "Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio."
Ora, como se sabe, os poderes das Regiões Autónomas estão regulados nos seus Estatutos Político-Administrativos, que têm um valor, como se costuma referir, paraconstitucional, estando inclusivamente a elaboração dos estatutos político-administrativos subtraída ao poder normal de iniciativa legislativa da Assembleia da República e pertencendo o exclusivo dessa iniciativa às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.
Portanto, é inquestionável e absolutamente pacífico que os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas prevalecem sobre as leis e, inclusivamente, sobre as demais leis de valor reforçado, como é o caso da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Inclusivamente, a própria lei que está em vigor e a proposta de lei referem que o objectivo da Lei de Finanças das Regiões Autónomas é a "concretização da autonomia financeira consagrada na Constituição e nos estatutos político-administrativos."
Portanto, não se compreende que, sendo o objectivo desta lei regular as relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas, nos termos dos Estatutos, ela possa arrogar-se o direito de contrariar o que dizem os Estatutos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E aqui a questão é a de saber se, de facto, contraria ou não. E quanto a este aspecto, o de saber se contraria ou não, podemos questionar muitas disposições da proposta de lei. Porém, há algumas que, do nosso ponto de vista, inequivocamente contrariam. Se lermos, por exemplo, o artigo 117.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que diz que "Os empréstimos a emitir pela Região