6 | I Série - Número: 091 | 2 de Junho de 2007
pela necessidade de salvaguardar o interesse público; e que o interesse público não seja postergado em nome da independência técnica própria da profissão e dos interesses estritamente particulares dos respectivos profissionais.
Além disso, a criação da associação pública profissional subordina-se a um princípio de indispensabilidade ou de necessidade: só se deve optar por essa solução quando a independência técnica no exercício da profissão e o interesse público que ela serve não possam ser melhor prosseguidos por outra forma.
Aparentemente, até aqui, sempre encontrou o legislador condições para decidir sobre todos esses requisitos, caso a caso, sem sentir necessidade de um qualquer diploma enquadrador dos requisitos, do processo e da forma de criação de associações públicas profissionais. Na verdade, nunca o legislador procurou estabelecer um regime quadro que defina de maneira uniforme e coerente esses aspectos.
Importa, porém, assumir que esse modelo de avaliação casuística esgotou as suas virtualidades.
Primeiro, porque, numa análise desapaixonada, deve reconhecer-se que o facto de se terem criado quase duas dezenas de associações públicas profissionais em momentos históricos diferentes, com preocupações distintas e mediante processos ad hoc, conduziu a uma dispersão de regimes e estatutos jurídicos desprovidos de uma lógica de sistema.
Em segundo, e sobretudo, porque a pressão sobre o Estado para a criação de novas associações públicas profissionais atinge hoje um nível que cria problemas novos.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — A criação de novas profissões, a autonomização ou a transformação de profissões antigas e o dinamismo próprio da sociedade pluralista geraram movimentos que reivindicam a criação de um número apreciável de associações públicas profissionais. Isto leva a que opções e critérios que em outros momentos poderiam parecer claros ou inequívocos, não o sejam hoje. Como nunca antes, é necessário parar para pensar, de modo a sermos capazes de estabelecer uma linha divisória evidente entre as profissões a propósito das quais se justifica a criação de associações públicas profissionais e aquelas onde isso não se justifica.
Essa decisão deve obedecer a critérios gerais e abstractos e não assentar em opções casuísticas, baseadas na maior ou menor força ou influências social e política dos grupos profissionais.
Por outro lado e em terceiro, é manifesto que uma das grandes tensões da nossa sociedade é a tensão entre a tendência para o corporativismo e o particularismo e a necessidade da prossecução do interesse público geral e dos direitos fundamentais dos cidadãos.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!
O Orador: — Garantir que as associações públicas profissionais criadas, quando confrontadas com tal tensão entre o corporativismo e o interesse público, optem por este último, é uma das tarefas centrais do projecto de lei que discutimos aqui, hoje.
É isso que a Constituição claramente quer. A Constituição é clara: nenhuma associação pública pode exercer funções próprias das associações sindicais, designadamente a defesa dos interesses individuais dos seus membros. Esta é uma das linhas directrizes essenciais do projecto de lei que hoje o Partido Socialista aqui apresenta.
Mas a Constituição é também clara noutro aspecto: as associações públicas profissionais devem respeitar os direitos dos seus membros e devem obedecer ao princípio da formação democrática dos seus órgãos. Também esta directiva constitucional esteve no centro das nossas preocupações.
Por outro lado, a liberdade de escolha da profissão ou do género de trabalho está consagrada no artigo 47.º da Constituição. Essa liberdade só pode ser restringida por lei e com fundamento no interesse colectivo ou na incapacidade das pessoas. Daqui se extrai que cabe ao Estado e ao legislador definir o regime jurídico das profissões, os requisitos e as regras de acesso às profissões e as respectivas restrições, bem como a definição, a acreditação e a avaliação dos cursos que dão acesso à profissão.
Às associações profissionais cabe criar, em contrapartida, as condições para um bom exercício da profissão e para a regulação desse exercício.
Deste modo, em síntese, ficam explicadas as linhas directrizes do presente projecto de lei: uniformidade do regime de criação, dos requisitos e dos aspectos centrais da organização, embora com maleabilidade para definição concreta dos estatutos; indispensabilidade da criação, que deve ser comprovada por entidade independente; garantia da prossecução do interesse público pelas associações; intervenção mínima do Estado; organização e funcionamento democráticos das associações; salvaguarda da independência no exercício da profissão e dos direitos dos profissionais membros da associação; clara definição do que cabe ao Estado e do que cabe às associações públicas; e protecção dos direitos dos utentes dos serviços prestados pelos profissionais.
Após a aprovação desta lei, ficará a Assembleia da República melhor habilitada para decidir sobre as pretensões publicamente anunciadas de criação de associações públicas profissionais.