43 | I Série - Número: 009 | 12 de Outubro de 2007
Uma delas tem a ver com a natureza em si mesma do tipo de conflitos que pretende arbitrar.
Em nosso entender, as questões tributárias — mesmo aquelas que decorrem de contratos com o Estado — são regidas por legislação tributária de carácter universal que, no geral, tem (ou deve ter) por base a transparência e a equidade de todos os contribuintes perante a lei.
Não se entende, assim, muito bem como é que matérias desta natureza muito especial poderão ser dirimidas à peça, num sentido ou exactamente no sentido contrário, mesmo que para situações tributárias absolutamente idênticas.
Uma outra questão tem a ver com o desenrolar futuro deste tipo de arbitragem.
Percebe-se a aparente bondade do projecto que afirma pretender aliviar a pressão sobre os tribunais administrativos e fiscais — mesmo que, em nosso entender, o que deveria estar fundamentalmente em causa, nesta matéria, deveria ser a dotação da administração da justiça, dos recursos humanos e dos equipamentos e materiais capazes de lhes permitir dar uma resposta adequada e eficaz. Só que, quanto a nós, este tipo de arbitragem, em que se pretende mediar conflitos com o Estado, isto é, com o interesse público de um lado, pode ter — e terá, certamente — no horizonte a privatização a prazo dos mecanismos de mediação desta litigância. E, quanto a esta matéria, Srs. Deputados do CDS-PP, o PCP considera tratar-se de uma perspectiva e de um caminho pelo qual não queremos ir, um risco que não queremos que o País venha a correr no futuro.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, o CDS-PP apresenta-nos um projecto de lei que pretende introduzir um novo capítulo no Código de Procedimento e de Processo Tributário, para incluir, nesse contexto, o princípio da arbitragem.
O princípio da arbitragem tem sido um grande sucesso no direito português, tem sido desenvolvido através de uma instituição nova, aplicada em Portugal — os julgados de paz —, e tem sido estendido a muitos princípios de intermediação em conflitos entre interesses privados.
A legislação portuguesa, no entanto, como bem sublinhou o Deputado Diogo Feio, tem tido o cuidado extremo de excluir do princípio da arbitragem ou da intermediação tudo o que sejam direitos indisponíveis, ou seja, aqueles que têm que ver com a soberania do Estado.
É certamente discutível se, no caso em que o CDS-PP nos faz esta proposta, se trata de direitos indisponíveis ou não. Admito a relevância do argumento aqui apresentado — trata-se de um contrato —, mas é certo, também, que tudo o que são benefícios fiscais é indisponível, no sentido em que é determinado em geral e não particularizável em relação a um determinado contribuinte.
Dito isto, o aspecto talvez mais importante da envolvente argumentativa do CDS é uma alusão ideológica que, curiosamente, foi recuperada e recapitulada pelo PSD.
Um texto do Sr. Deputado Diogo Feio, que justifica abundantemente este caminho, cita uma das autoridades do Direito Fiscal, em Portugal, o Professor Diogo Leite de Campos, em que este último nos convoca para «libertar o Direito Fiscal do poder do Estado».
O Deputado Hugo Velosa utilizou exactamente a mesma expressão: é preciso agora, num novo movimento de libertação, «libertar o Direito Fiscal do poder do Estado».
É claro que nem a mais extrema das imaginações pode explicar-nos o que seria o Direito Fiscal «libertado do poder do Estado». Sem Estado, o que seria o poder fiscal? Ora, é exactamente essa questão ideológica que estamos a debater aqui: saber se há uma tutela pública do Direito Fiscal; saber se há uma soberania da decisão do Estado, contestável, nos termos legais, por parte dos contribuintes. É isso que aqui é posto em causa.
Na verdade, se virmos bem a fundamentação do que se propõe no projecto de lei do CDS, verifica-se que, exactamente onde o princípio de arbitragem é mais útil — celeridade, redução da litigância —, nenhum desses objectivos é alcançado pelo que é proposto.
«Redução da litigância»?! Na verdade — e é-nos dito no próprio projecto de lei do CDS, e correctamente —
, os tribunais fiscais não têm muitos processos. 60% dos processos, diz-nos o projecto de lei, são de valor superior a 1 milhão de euros. Ou seja, quase todos, aproximadamente dois terços, são de valores elevadíssimos.
Por que é assim? Porque a litigância do pequeno contribuinte não chega aos tribunais.
Aí, sim, compreender-se-ia que teria sentido e importância fazer aceder a uma nova capacidade, a um novo poder, dando ao contribuinte, que não tem força nem recursos para chegar a um tribunal, a capacidade de utilizar, então, este tipo de intermediação. Mas não é disso que se trata. Trata-se de benefícios fiscais, ou investimento, que são contratualizados.
Se o CDS nos fizesse aqui o exercício de dar um único exemplo em que o seu projecto de lei fosse aplicável ou, digamos (para ser ainda mais benévolo), nos apontasse uma categoria de litigância em que o seu projecto de lei fosse aplicável, então, perceberíamos que se trata, talvez, de uma meia dúzia de empresas, uma meia dúzia de casos, uma meia dúzia de contratos, com uma expressão tão reduzida que até podemos perguntar-nos: que sentido tem fazer um projecto de lei que é tão particularista, para responder a interesses