20 | I Série - Número: 072 | 17 de Abril de 2008
Srs. Deputados, o divórcio, como já aqui foi dito, significa o fim de um projecto construído por dois e para dois, significa o fim de quase tudo, da partilha do amor, da amizade, dos planos a dois, dos anseios a dois, das expectativas a dois.
O divórcio significa, como escreveu, aliás, um dos insignes autores citado no projecto de lei, o fim da partilha de uma vida em comum, que passa pela partilha do corpo, da casa, da família, dos filhos, do dinheiro, de tudo, afinal. E, por isso mesmo, Srs. Deputados, o divórcio é, necessária e emocionalmente, um fenómeno doloroso.
Sabemos hoje — temos uma visão, naturalmente, moderna da sociedade em que nos inserimos — que o casamento não é um contrato perpétuo, como se dizia, de resto, no Código de Seabra. Não é um contrato perpétuo, mas seguramente que não é um contrato qualquer! Tenho a certeza de que muitos dos portugueses que nos ouvem consideram o casamento como o contrato mais importante das suas vidas.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É por tudo isto que temos de ser muito, mas mesmo muito, cautelosos quando legislamos sobre esta matéria.
Não podemos correr — como o PS fez — atrás do «divórcio na hora, ou na meia hora» que o Bloco de Esquerda propôs há uma ou duas semanas. O Bloco de Esquerda propôs, o PS rejeita e, logo a seguir, avança com idênticos objectivos. E se o Bloco queria o «divórcio na hora, ou na meia hora», o que o PS quer é o «divórcio-fácil». O projecto de lei do PS preconiza a obtenção do «divórcio-fácil».
Evidentemente, achamos bem que se ambos contrataram e querem ambos, outra vez, o divórcio, não deva ser a lei a causar dificuldades ou perturbações à concretização desse objectivo, que é comum.
O divórcio não deve ser entendido como um acto mais ou menos sério e responsável do que o próprio casamento e, portanto, se ambos casaram, ambos se devem poder divorciar, no pleno exercício das suas vontades e no pleno exercício das suas liberdades.
É por isso que compreendemos, ao longo da história, toda a tranquila evolução legislativa acerca do divórcio por mútuo consentimento: de início, se bem estão recordados — os mais jovens não, mas nós sim —, exigia-se que o casamento tivesse durado, pelo menos, três anos, e esse requisito acabou; também de início, exigia-se que os cônjuges requerentes tivessem, pelo menos, 25 anos de idade, e esse requisito também acabou; também se previam duas conferências espaçadas por, pelo menos, três meses, e esse requisito acabou. Agora basta uma, uma tentativa de reconciliação… Ou, aliás, bastava, porque no projecto em análise isso também acaba! E se até este ponto é discutível, muito mais discutível é analisarmos o divórcio quando um dos cônjuges o quer e o outro não.
Eu conheço bem o argumentário: que estamos na era do «divórcio sem culpa», que temos que encarar uma nova forma de viver a dois, que tudo o que começa um dia acaba, que é assim em muitos outros países, tal como o Sr. Deputado Alberto Martins frisou, etc. Sei disso e até aceito a boa vontade do projecto de lei em apreço.
Mas, destinando-se o actual divórcio litigioso — que muda agora de nome (também é um fenómeno de «cosmética» legislativa), passando a chamar-se divórcio sem consentimento de um dos cônjuges — a pôr termo, a dissolver um casamento que deixou de poder prosseguir os seus fins, por exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, como devemos legislar? Facilitando esse objectivo e desprotegendo aquele que em nada contribuiu para esse desfecho? Creio que não.
No meu entender — e no entender da lei, é bom que se recorde; os advogados recordam-no, e o Sr. Deputado Jorge Strecht sabe disso —, o divórcio existe justamente para defender os mais fracos. E nós sabemos (todos sabemos) quem são, normalmente, os mais fracos: são os filhos.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Então, como devemos legislar?