7 | I Série - Número: 077 | 26 de Abril de 2008
Mas a materialização dos sonhos continua também a ser suspensa diariamente para aquele meio milhão de portugueses que não encontra emprego e para muitos mais, que vivem todos os dias com a incerteza do trabalho precário.
Vidas ditadas por sonhos adiados, nos projectos familiares, profissionais e sociais de jovens e menos jovens.
Neste Portugal ressurgido de Abril o desemprego continua a ditar excluídos e o trabalho precário a limitar os direitos e a liberdade de expressão nas relações laborais.
Trata-se de uma subalternização justificada pelas regras da competitividade.
É a tal globalização que dita a livre concorrência, que dita competitividade, que por sua vez dita a flexibilidade laboral.
Vivemos hoje numa situação em que a economia de mercado global não protege, mas expõe, os mais frágeis das sociedades, em que os erros de alguns e um tal de subprime, que ocorre do outro lado do Atlântico, dita que quem tem crédito à habitação tenha de pagar uma taxa de juro mais elevada, dita que uns tantos milhares em diferentes partes do mundo tenham de ficar sem emprego.
São as ondas dos mercados financeiros, que por vezes se transformam em verdadeiros tsunamis, que arrastam todos de forma por igual, tenham ou não tenham bóia de salvação.
Um mercado global em que, sem que o comum cidadão se aperceba do porquê e de quem, são assinados acordos de livre comércio que vêm ditar o fim do seu emprego, por deslocalização ou por encerramento por falta de competitividade da sua empresa no mercado alargado.
Um mercado financeiro que se instalou com força no sector da alimentação, com a criação de novos fundos de investimento, um sector da alimentação que passou a ser negócio de combustíveis, negócios que passaram a ditar o acesso ao pão, aos cerais, às massas e às tortilhas.
Caminhos muitas vezes sem rosto, traçados longe e sem alcance, vias que ditam as realidades locais.
Um mundo em que, apesar do crescimento dos meios de informação, o entendimento foge e a percepção é cada vez mais difícil para o comum cidadão.
E é nesta realidade que se aprovou, na passada quarta-feira, o Tratado de Lisboa, aquele que era para ser referendado mas apenas acabou ratificado aqui nesta Casa. Tratado que consubstancia, suporta e reforça o distanciamento de mais poderes de decisão.
Sem que a maioria dos portugueses desse conta disso, há dois dias, passámos a gestão e a conservação dos nossos recursos biológicos do mar para a competência exclusiva da União Europeia.
Passaram-se já 22 anos desde a nossa adesão à então CEE e, desde lá, de tratado em tratado, de ratificação em ratificação, a discussão da Europa que temos e a Europa que queremos tem ficado à margem da grande maioria dos portugueses, à margem de uma discussão abrangente. Ora por uma razão, ora por outra.
E é nesta Europa que Portugal vive hoje uma situação em que grande maioria dos portugueses tem suportado, ao longo dos últimos seis anos, em nome do equilíbrio orçamental, a estagnação dos seus salários, a subida dos impostos, o aumento do custo dos bens essenciais, a perda do poder de compra.
À custa das políticas de equilíbrio orçamental, tem-se fomentado o desequilíbrio territorial e o desequilíbrio social, com consequências por demais evidentes, muitas delas de difícil reversibilidade.
Redescobrem-se misérias a cada aumento dos bens alimentares, dos medicamentos, da educação, da electricidade, da água, dos transportes, das taxas de juro, aumentos que acobertam desigualdades.
A magia da revolução de Abril não resolveu, como não se podia esperar que resolvesse todas as situações de injustiça. Mas a revolução deu-nos a liberdade de intervimos e de agirmos no que se passa à nossa volta, no que nos rodeia, deixou-nos o espírito de Abril, de solidariedade, mas também o dever de não nos alhearmos e de ficar no conforto do silêncio.
Abril não é alheamento, é participação aos vários níveis, no direito básico que nos é concedido de reclamarmos e nos manifestarmos quando discordamos dos caminhos.
Mas se a todos nós nos cabe o inconformismo, ao poder político o espírito de Abril reclama que saiba ouvir, não desprezando e não desvalorizando os contributos que vão chegando da sociedade civil, através das diversas formas de expressão democrática.
Não se pode criticar quem não se resigna e quem não confere ao voto o seu absentismo de cidadania, tal como o «Gastão» da música de José Afonso, um tipo perfeito, que reunia em si todas as qualidades do