9 | I Série - Número: 077 | 26 de Abril de 2008
A escola fabrica várias formas de exclusão. Não deixa entrar os que estão fora, e esse é o problema do acesso; põe fora os que estão dentro, e aí estamos perante o drama do insucesso escolar e do abandono; exclui incluindo — a forma escolar é em si uniformizadora e adversa à diversidade. Num certo sentido, a inclusão na escola deixou de fazer sentido, porque é difícil perceber para que é que precisamos de lá estar. A cada um destes problemas — o acesso, o sucesso, a diversidade dos públicos escolares e o sentido do trabalho escolar — só podemos responder com uma escolha: mais e melhor democracia. O problema das escolas não é, portanto, os professores, mesmo que se queira tantas vezes transformá-los nos culpados das políticas educativas. O problema das escolas não é os jovens, mesmo que se queira construir histericamente a imagem de que os estudantes são todos perigosos delinquentes. O problema das escolas não é terem demasiada democracia na sua gestão, mesmo que se use essa distorção como argumento para subordinar as políticas educativas ao modelo das empresas.
A crise da escola não é uma crise técnica, relacionada com um problema de eficácia. É uma crise política, ligada a um problema de legitimidade. Não há forma de resolver esta crise sem a pensar politicamente e sem a articular com os diferentes projectos de sociedade que conflituam no nosso país.
Os discursos conservadores sobre a educação ganham hoje espaço público e são cada vez mais agressivos. Conjugam a saudade de uma escola de elites, da «homogeneidade perdida», do tempo em que os alunos vinham todos das mesmas famílias e das mesmas culturas, com a ideia de que o insucesso e a exclusão são uma inevitabilidade numa escola exigente. Algumas crianças estariam destinadas a um «sucesso parcial» e essa desigualdade é que permitiria a selecção social dos melhores.
Este «darwinismo social» não serve a democracia, porque considera que o próprio processo de democratização da escola só pode levar a dificuldades, e até à impossibilidade, no cumprimento da sua missão.
A resposta democrática, pelo contrário, valoriza a diversificação dos públicos escolares, a interculturalidade, a heterogeneidade, os diferentes comportamentos, linguagens, classes e nacionalidades que habitam a escola portuguesa. A resposta democrática rejeita as formas de hierarquia e discriminação dentro da escola.
A escola que existe é responsável não apenas pela reprodução das desigualdades mas pela produção de uma exclusão que resulta da própria organização escolar. A educação inclusiva tem de romper com os valores da escola tradicional, do aluno-padrão, da aprendizagem como transmissão, da escola como estrutura de reprodução.
A escola não pode ser um lugar de desigualdade e sofrimento. A democracia precisa de restituir a professores e a alunos as condições mínimas para a sua felicidade. Essa felicidade é um enorme desafio.
Trata-se de superar a forma escolar, de reinventar a escola e o trabalho que lá é feito.
Foi sempre assim com todos os movimentos políticos e pedagógicos que se empenharam no projecto da escola democrática. Todos perceberam que o seu potencial era a escola ser, já em si, um espaço de vivência democrática: a «sociedade dos condiscípulos» de António Sérgio, o espaço da cooperação e da partilha, esse microcosmos social gerido pelos que lá estão, praticando a cidadania.
A limitação da democracia na vida das escolas, na sua gestão, na sua organização, é sempre um empobrecimento da escola pública. Se pedirmos a professores e a alunos para se demitirem de participar na gestão das escolas, não nos admiremos que se demitam também de participar na gestão do país.
A cidadania não se estuda para um teste, aprende-se, exercendo-a, na escola desde logo – elegendo os órgãos, fazendo o debate democrático, vivendo com o conflito. A ideia de que a democracia enquanto forma de vivência para as escolas é ineficaz ou morosa — logo, precisa de ser substituída pelo autoritarismo imposto do exterior ou pelo gerencialismo importado do mercado —, é uma ideia perigosa não apenas para as escolas mas para o país.
É impossível pensar a escola como uma ilha isolada do mundo. A escola não pode resolver todos os problemas sociais. Não poderá nunca existir uma escola inclusiva numa sociedade que não o é.
As expectativas de mobilidade social associadas à escola, determinantes na sua valorização pelas pessoas, estão hoje a ser frustradas pelo acréscimo das desigualdades e da exclusão. O aumento do desemprego, a precarização generalizada da juventude e o empobrecimento do País dá-se hoje em simultâneo com um acréscimo das qualificações escolares.