18 | I Série - Número: 101 | 3 de Julho de 2008
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Presidente anunciou, este debate foi suscitado pelo Bloco de Esquerda e decorre na sequência, como sabemos, do voto negativo da Irlanda ao processo de ratificação do Tratado de Lisboa.
Temos, por isso, uma crise aberta no processo de ratificação do Tratado de Lisboa.
É conhecida a posição do Governo português, que foi já expressa em outras instâncias do Parlamento.
Tive oportunidade de, juntamente com o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus, estar presente na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, bem como na Comissão de Assuntos Europeus, sendo com muito gosto que aqui estamos presentes, também em Plenário, para intervir neste debate.
A posição do Governo português é sabida — foi expressa no Conselho Europeu do passado mês de Junho —: reconhecemos que há uma crise no processo de ratificação, reconhecemos que essa crise deve suscitar reflexão e debate no seio da União sobre o que se passou na Irlanda mas, simultaneamente, recusamo-nos a admitir que o Tratado de Lisboa esteja «morto». Continuamos, por isso, a trabalhar para que o Tratado de Lisboa venha a entrar em vigor, não necessariamente nos prazos estabelecidos, mas de acordo com os calendários que as circunstâncias venham a impor.
É óbvio que aqueles que sempre se opuseram ao Tratado não deixaram de se apressar a declará-lo como estando «morto», numa ampla coligação negativa, de extremos entre o conservadorismo mais serôdio, nacionalistas, internacionalistas, altermundialistas, proteccionistas, que nada tem de positivo e de construtivo a oferecer como alternativa ao projecto europeu.
E é, no fundo, esta circunstância que nos obriga necessariamente a manter a coesão e a determinação no processo de ratificação, que está em curso ainda, independentemente de reconhecermos que há uma crise aberta nesse processo.
A posição do Conselho Europeu de Junho é conhecida e não se afasta da posição e da interpretação que o Governo português fez: devemos continuar com o processo de ratificação do Tratado, permitindo aos Estadosmembros que ainda não o ratificaram tomarem sobre ele uma decisão adequada; simultaneamente, devemos dar tempo ao Governo irlandês para avaliar a situação interna e perspectivar opções para a saída da crise. O Conselho Europeu decidiu também, em Outubro, revisitar o problema e a situação criada.
A nossa posição é, por isso, uma posição muito construtiva, como deve ser, e responsável de quem, apesar de tudo, teve alguma intervenção em todo o processo de preparação do Tratado de Lisboa.
Repudiámos, desde a primeira hora, uma retórica de ressentimento e de reculpabilização do povo irlandês relativamente à frustração criada com a não implementação do Tratado nos calendários previstos. Não aceitamos soluções que isolem ou que excluam a Irlanda do processo que está em curso para a adopção de um novo Tratado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Mas eles não querem!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Somos a favor de uma Europa que prossiga os seus objectivos a 27 e que desenvolva os objectivos suscitados com a aprovação do Tratado de Lisboa coesamente.
Acreditamos que o Governo irlandês, com quem negociámos o Tratado de Lisboa, que o assinou aqui e que se bateu na Irlanda pela sua ratificação, deve necessariamente ter o tempo de reflexão adequado para nos propor soluções alternativas ao problema suscitado. Se, porventura — e digo-o aqui com total abertura —, decorrido algum tempo, o Governo irlandês reconhecer, perante os seus aliados, que não está em condições de ultrapassar a situação suscitada, é óbvio que, nessa circunstância, teremos de reflectir sobre os caminhos a seguir, sobre as ilações a retirar dessa situação e assumir todas as consequências.
Como tenho dito, se assim for, o projecto europeu assumirá definitivamente uma dinâmica completamente diferente e, no nosso entendimento, teremos todos de nos preparar responsavelmente para isso.
Porém, por enquanto, não é essa a posição do Governo irlandês nem foi essa a posição que o Governo irlandês nos transmitiu. Pelo contrário, mostrou empenho em, durante os próximos meses, procurar trabalhar internamente para encontrar uma solução de saída da crise criada.