8 DE FEVEREIRO DE 2013
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genéricos que ferem honestidades individuais, procurando-se pelo silêncio a continuidade do proveito
individual de quem, cumprindo rigorosamente a legislação em vigor, corre em duas pistas para proveito
próprio.
Uma análise da quase total ausência de meios de investigação, da Comissão para a Ética da Assembleia
da República ao próprio Tribunal Constitucional, para levar a efeito um trabalho de escrutínio e monitorização
do arquivo «morto» das declarações de registo de interesses, rendimentos ou património dos titulares de
cargos políticos, para lá do simples cumprimento das formalidades legais, é bem reveladora da pouca
importância que é dada a estas questões, ou seja: uma inércia muito conveniente, a qual desde já recuso
avalizar.
Em 6 de janeiro de 2012, produzi uma declaração de voto a propósito do projeto de lei n.º 32/XII (1.ª) (BE),
sobre este mesmo tema. Retomo hoje, no espírito e na letra, praticamente tudo quanto então foi afirmado.
Mas assumo, também, uma evolução no meu posicionamento face à questão do exercício do mandato
parlamentar em regime de acumulação com outras atividades de natureza privada.
Disse então: «Tenho muitas dúvidas de que seja defensável um regime de exclusividade no exercício do
mandato parlamentar». Hoje, passado um ano, tendo participado em vários debates sobre as questões da
ética e da transparência na política, tendo refletido e amadurecido sobre essas questões, já não se trata de ter
dúvidas, ou deixar de ter dúvidas. Tenho maior consciência dos méritos e dos inconvenientes da exclusividade
no exercício do mandato parlamentar. E, pesando argumentos contrários, há que decidir uma posição. E a
minha vai no sentido de que o exercício do mandato parlamentar em exclusividade contribui mais para a
dignificação da instituição parlamentar.
Desde logo, ao nível da discriminação e do privilégio. Se alguém, ao aceitar um cargo no Governo, está
impedido de acumular com atividades privadas, ou alguém, ao ser eleito presidente de câmara, tem que
exercer o mandato em exclusividade, que outra razão, que não o privilégio, pode justificar que numa função de
tão grande responsabilidade e exigência de dedicação, como é a função parlamentar, se possa exercer o
mandato a tempo parcial?
Por outro lado, como resolver a questão dos Deputados-advogados e da dificuldade de escrutínio de
potenciais conflitos de interesses superveniente do instituto do sigilo profissional a que estão obrigados, sem
discriminar esta classe profissional, impedindo o acesso ao mandato parlamentar, como alguns defendem?
Sempre considerei inaceitável que uma qualquer classe profissional, a dos advogados ou outra qualquer,
fosse impedida de exercer o direito de ser eleito para a Assembleia da República. Penso, até, que seria
inconstitucional.
A única forma de, simultaneamente, eliminar as sombras dos conflitos de interesses, e sem discriminar
ninguém, é colocar todos os Deputados em pé de igualdade nas condições de exercício do seu mandato, ou
seja: em dedicação exclusiva. Ser-se Deputado deve comportar em si uma honra e uma elevada
responsabilidade, que exige sacrifícios pessoais, materiais e familiares. Ninguém é forçado a desempenhar
estas funções, nem a nelas permanecer toda a vida. Há um preço a pagar. A nobreza da função não se
compadece com situações em que um pé está na Assembleia, o outro pé está num escritório qualquer e o
espírito não se sabe bem por onde anda.
A desigualdade entre pares, também não é justa, entre quem opta por uma dedicação exclusiva, com
perdas várias, e quem exerce o mandato em tempo parcial, de nada abdicando, sendo que a diferença
remuneratória entre uma situação e a outra é mínima.
Rejeito, em absoluto, a ideia de que o exercício de um mandato em exclusividade, reduziria a Assembleia
da República a um corpo de funcionários públicos e partidários. Ela é mesmo ofensiva, em vários sentidos.
Desde logo, para os funcionários públicos, desconsiderados como indivíduos incapazes e incompetentes para
o exercício da função parlamentar. A ofensa estende-se a muitos dos cerca de 49% de Deputados em
exclusividade que, não sendo funcionários públicos, abdicaram da sua vida profissional para se dedicarem por
inteiro a esta missão.
É verdade que a experiência profissional e os méritos individuais dos Deputados podem ser úteis à
Assembleia da República. Mas daí a extrapolar-se para certificados de independência de opinião e ação é
entrar no campo da mistificação. Aquilo que mais condiciona o posicionamento individual de um Deputado
reside no sistema de escolha de candidatos, altamente partidarizado e centralizado, e que nem sempre se
rege por critérios isentos e objetivos de qualidade.