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I SÉRIE — NÚMERO 75

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1 — Estou convicto de que uma das razões que mais contribuem para o descrédito da classe política em

geral e o desprestígio da instituição parlamentar em particular tem a ver com a perceção pública de que a

acumulação do mandato de Deputado com atividades profissionais gera situações de suspeição de existência

de conflitos de interesses não declarados e de tráfico de influências, subalternizando o interesse público em

favor de interesses particulares;

2 — A questão dos Deputados que acumulam a sua função com a profissão de advogado gera uma

situação de difícil apreciação porquanto, estando deontologicamente impedidos de revelar a sua carteira de

clientes, muito difícil se torna apurar da existência de conflitos de interesses não declarados nos termos legais.

Em geral, é muito estranho que a declaração de existência de interesse particular em determinadas matérias

em discussão só muito e rarissimamente se verifica;

3 — Por outro lado, discordo totalmente da posição, que já vi publicada, de que a classe dos advogados

deveria estar impedida de se candidatar à Assembleia da República, pois isso constituiria um atropelo

inconstitucional a um direito fundamental, o de ser eleito;

4 — Esta situação da acumulação de atividades privadas e públicas revela-se geradora de várias injustiças

relativas. Desde logo, a existência de dois tipos de Deputados, uns que, com sacrifícios pessoais, familiares e

profissionais, optam por se dedicar a tempo inteiro à missão confiada pelo povo, e outros que exercem o

mandato em tempo parcial, desconhecendo-se até que medida vai a consagração do seu tempo disponível às

questões particulares, pois não existe modo de distinguir um das outras;

5 — Injustiça relativa, até em termos remuneratórios, que a diferença entre a compensação pecuniária do

tempo inteiro e a do tempo parcial é mínima;

6 — Existe uma terceira injustiça, interna aos que optam pelo regime de acumulação, sendo difícil de

distinguir quem exerce a sua profissão sem interseção de proveito próprio adveniente do estatuto político do

cargo e quem usa este último para daí retirar vantagens diretas ou indiretas;

7 — Por outro lado, se a dedicação exclusiva é exigida para os cargos de Presidente da República, do

Governo e dos magistrados, por que razão ficam os membros deste outro órgão de soberania, que é a

Assembleia da República, dela isentos, que não seja o privilégio?;

8 — Finalmente, existe uma injustiça global. A suspeição e o desprestígio que a atividade de alguns

desperta na opinião pública e na comunicação social abate-se sobre todo o corpo parlamentar, pagando o

justo pelo pecador, não se distinguindo o trigo do joio, generalizando-se a apreciação de que «são todos

iguais»;

9 — Dito tudo isto, e já tendo evoluído para esta conclusão há alguns anos, sou favorável à obrigatoriedade

do regime de dedicação exclusiva na função parlamentar, à semelhança do regime adotado pela vizinha

Espanha;

10 — Admito que, no caso de Deputados recém-eleitos pela primeira vez, seja concedido um período

transitório de acumulação do exercício do mandato com atividades profissionais, por seis meses, tempo

necessário para consolidar a adesão a este regime de exclusividade, que implica o abandono ou a suspensão

de outras atividades e das consequências pessoais que daí poderão ocorrer;

11 — Sendo favorável ao regime de exclusividade, todo o conjunto de propostas para alargar as

incompatibilidades e os impedimentos, embora preferível à situação atual, acaba por tornar ainda mais

complexo o regime já existente, numa rede de proibições dificilmente explicável à opinião pública e por esta

compreendida;

12 — Quer na Assembleia da República, quer no Tribunal Constitucional, os meios de investigação para lá

da mera apresentação de declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos, de registo de

interesses e de património, são praticamente nulos ou inexistentes. Não há vontade política de averiguar em

profundidade o que está para lá da obrigação declaratória ou se esta corresponde a toda a realidade;

13 — Não concordo com a acusação de que o regime de exclusividade significaria a «funcionalização dos

Deputados». Não me sinto funcionário de ninguém, mas sim representante de quem me elegeu. Ainda assim,

prefiro um Deputado-«funcionário» que um Deputado-«facilitador», no sentido pejorativo da expressão, muito

em voga ultimamente. Ser Deputado, não deve ser encarado como uma profissão, mas como um serviço que

se presta ao País. Encaro a limitação dos mandatos parlamentares como uma solução adequada, em termos a

estudar. Não ser Deputado toda a vida, como já não se é Presidente da República toda a vida, ou Presidente

de Câmara Municipal para sempre;