I SÉRIE — NÚMERO 93
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historial que acabo de referir, sustenta-se em leituras pretensamente sérias da jurisprudência do Tribunal
Constitucional?!
Naturalmente, ninguém acreditou na historieta de um Tribunal Constitucional iniciado como inimigo e
acabado como pretexto.
Bastou sair a decisão do Tribunal Constitucional sobre o último Orçamento do Estado, ou seja, bastou o
Estado de direito democrático (bem sei que esta direita faz por esquecer a palavrinha «direito»…) funcionar
com 10 votos contra 3, no que toca ao corte de salários, para começar o horror.
A decisão esperada, para quem leu os acórdãos anteriores, claro, a decisão sobre cortes que assustaram a
própria direita parlamentar, que se apressara a pedir ao Executivo que se iniciassem apenas em 700 €,
acabando a negociata sobre a vida de gente de «carne e osso» em 675 € milionários, deu azo a declarações
solenes: o Tribunal Constitucional não respeita a separação de poderes; os juízes devem ser mais
escrutinados (sim, esses que escolhemos por dois terços dos votos!); os juízes têm de aceitar críticas (pois
têm, eles que, perante a vergonha alheia, nem uma palavra podem proferir, é o silêncio da função aproveitado
pela cobardia de ocasião); as decisões devem ser aclaradas, clama a direita cuja Ministra da Justiça revogou
os pedidos de aclaração, esses expedientes dilatórios. As dúvidas são legítimas. Afinal quem percebe o que
significa a decisão «produzir efeitos a partir de 30 de maio»? Poiares Maduro? Outros constitucionalistas no
Governo? Ninguém?! Toda a gente!
Como escreveu o Prof. Jorge Reis de Novais, temos um Governo pobre e mal-agradecido. O que fica da
decisão? Fica isto, assim descrito por aquele Professor: «durante os primeiros cinco meses do ano, o Governo
cobrou um imposto especial e extraordinário, incidindo exclusivamente sobre as grandes fortunas, portanto,
sobre os trabalhadores da função pública que recebem mais de 675 € por mês.
O Sr. José Magalhães (PS): — Ora aí está!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Como se esperava, e seguindo jurisprudência firmada, o Tribunal
Constitucional declarou este imposto inconstitucional e determinou a cessação da sua cobrança».
Lamentavelmente, digo eu, permitiu que o Governo retivesse os montantes entretanto ilegitimamente
cobrados. Acabou por ser um benefício ao infrator, tão mais perigoso quanto estimula o Governo, sabendo que
conta com a prestimosa cooperação institucional do Presidente da República, a repetir a habilidade no próximo
ano.
Porém, a este Governo não ocorreu melhor do que pretender suscitar um inadmissível incidente de
aclaração exatamente sobre o benefício que o Tribunal Constitucional lhe concedera. Não percebem com
exatidão, dizem, as consequências jurídicas da decisão do Tribunal Constitucional. Mas o que o Tribunal
Constitucional disse, de forma clara e inequívoca, foi: a partir de 30 de maio, o Governo deixa de poder cobrar
este imposto. Qual é a parte do «a partir de 30 de maio» que não percebem?! Não sabem qual ê o exato
montante cobrado ilegitimamente que podem reter? Bom, mas aí, se não sabem, estudassem! E o que é que o
Tribunal Constitucional tem a ver com isso? Nada, responderia eu ao constitucionalista, que acabo de citar.
Este Governo quer apenas, através de vozes que se fazem ouvir num pinga-pinga lastimável, tentar
pressionar o Tribunal Constitucional quanto a outras decisões por proferir.
O Sr. José Magalhães (PS): — Exato!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Mas desta miséria não «rezará a história».
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Miséria é esta intervenção!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Da miséria camuflada com propostas de alteração ao sistema que nos
unia, pensadas com a profundidade de uma poça de água a dar por baixo do tornozelo, não ficará nada.
Ficará o Tribunal Constitucional, ficará a Constituição da República, ficara a separação de poderes, ficará o
direito de discordar e o dever de acatar.