I SÉRIE — NÚMERO 101
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Confrontado pelo PCP com a ilegalidade, e até provável inconstitucionalidade dessa decisão, o Governo
acabou por recuar parcialmente em relação ao subsídio de férias, mas mantém-se determinado em não
cumprir o Acórdão relativamente ao subsídio de Natal.
Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.
as e Srs. Deputados: O problema que temos não é um
problema jurídico, é um problema político. Se o Governo tomar a decisão política de cumprir o Acórdão e
pagar o que deve aos trabalhadores, pagando por inteiro os subsídios de férias e de Natal, não há problemas
jurídicos que se coloquem, muito menos de natureza constitucional. Os problemas jurídicos só surgem porque
o Governo continua a insistir politicamente em não dar cumprimento ao Acórdão e em não se conformar com a
Constituição.
O pagamento por inteiro dos subsídios levanta problemas de desigualdade entre trabalhadores? Não, mas
a decisão de não compensar aquilo que já foi cortado deixa trabalhadores em situação de desigualdade,
suscita novo confronto com o artigo 13.º da Constituição e suscita novas dúvidas de constitucionalidade.
O pagamento por inteiro dos subsídios aos trabalhadores não levanta problema nenhum quanto à
remuneração relevante para o seu cálculo, mas a decisão de não pagar por inteiro esses subsídios obriga a
discutir qual é a remuneração relevante para determinar o seu montante.
O pagamento por inteiro dos subsídios não suscita dúvidas rigorosamente nenhumas quanto à aplicação
do Acórdão e aos seus efeitos no tempo, mas o não pagamento por inteiro levanta dúvidas quanto ao efeito
daquela decisão, que apenas diz respeito aos cortes nos salários e não a outras componentes da
remuneração que dele estão dependentes.
As declarações do Primeiro-Ministro, no debate de sexta-feira passada, na Assembleia da República, são
bom exemplo do pântano político e jurídico em que o Governo vai ter de arrastar-se, se decidir não cumprir o
Acórdão, ao não pagar por inteiro os subsídios aos trabalhadores.
Sustentando-se no artigo 35.º do Orçamento do Estado, que se refere ao pagamento em duodécimos e à
forma como o duodécimo deve ser calculado, e ignorando o artigo 207.º do Regime Geral de Trabalho em
Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, esse sim, que define o montante do subsídio de Natal, o
Primeiro-Ministro enreda-se num imbróglio jurídico do qual dificilmente sairá ileso.
E nem sequer dá resposta a outra questão, que é a de saber se pode o Governo manter, hoje, o
pagamento do subsídio de Natal em duodécimos. Sendo o pagamento por duodécimos imposto aos
trabalhadores que tinham os seus salários cortados e, tendo este corte sido declarado inconstitucional, o artigo
35.º do Orçamento do Estado, que estabelece o pagamento em duodécimos, deixou de ter âmbito subjetivo,
deixou de ter um universo de pessoas a quem se aplicar.
O Sr. David Costa (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Conceição Bessa Ruão (PSD): — Isso é que era bom!…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Pergunta-se: valerá a pena criar todos estes problemas jurídicos para não
pagar aos trabalhadores o que deve ser pago?
Valerá mesmo a pena levantar todas estas dúvidas legais e constitucionais para não pagar os subsídios
por inteiro?
E mais importante, Sr.as
e Srs. Deputados: o Estado de direito democrático, o regular funcionamento das
instituições, o respeito pelo juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição aguentam este tipo de afronta
e de confronto permanente por um órgão de soberania?
Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.
as e Srs. Deputados: Ninguém tinha dúvidas que tínhamos
um Governo sem base social de apoio, sem legitimidade política e eleitoral para se manter em funções,
suportado numa maioria de Deputados que apenas existe artificialmente nesta Assembleia da República,
contra a vontade e as opções dos portugueses.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Agora passámos também a ter um Governo a monte, que foge com o dinheiro dos subsídios de férias e de
Natal nos bolsos, fugindo das suas responsabilidades e escondendo-se do Acórdão do Tribunal Constitucional