I SÉRIE — NÚMERO 1
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A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção cabe ao PSD.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr.a Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.
as e Srs.
Deputados: Discutimos hoje matérias relevantes para a área da cultura e para a área das indústrias criativas.
As propostas que o Governo nos apresenta refletem não só o cumprimento do Programa do Governo como a
importância que estas matérias têm no contexto nacional.
Apesar de apresentadas isoladamente, as propostas que hoje discutimos complementam-se e ligam-se a
uma outra também discutida e aprovada em Conselho de Ministros. Falo, é claro, do Plano Estratégico de
Combate à Violação do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
Ora, já muitas vezes, nesta sede e em sede de comissão de especialidade, temos abordado a importância
destas matérias. Mas é a primeira vez que estamos a debatê-las, de forma estruturada e completa, num
conjunto significativo de matérias que são indissociáveis umas das outras.
Todos sabemos que os direitos de autor e conexos têm por base criações intelectuais que, exteriorizadas,
são bens imateriais. O bem jurídico que se protege não é o suporte da sua divulgação mas, sim, o seu
conteúdo.
Ora, para que fique claro: para que este bem possa ser protegido, ele tem necessariamente de ser tornado
público, o que faz com que o criador da obra não possa assegurar a sua propriedade de modo absoluto — não
pode, por exemplo, remover a sua criação de circulação, como se de um bem material se tratasse.
Foi esta evidência que levou a que fosse necessário criar direitos exclusivos de proteção sobre o objeto
imaterial, sendo um deles o direito de reprodução. Pois, se este não pertencesse ao criador, qualquer um de
nós poderia reproduzir a sua obra, sem que ele fosse pago pelo seu trabalho. Ora, isto seria um claro
desincentivo à criação.
Portugal, em 1978, aderiu à Convenção de Berna, que consagra que pode existir exceção a este direito
exclusivo de reprodução com fins específicos. Mas estas exceções não podem prejudicar a exploração normal
da obra e causar prejuízos ao seu autor.
É a esta exceção que se chama «cópia privada». Esta exceção e a sua introdução no regime jurídico
português foi já objeto de discussão nesta Câmara, em 1985. Com esse debate e deliberação, ficou, então,
garantida a possibilidade de todos podermos fazer reproduções para fins exclusivamente privados.
A evolução conduziu a que fosse estabelecida legislação comunitária segundo a qual é condição de
legalidade, para que a exceção ocorra, que exista uma compensação equitativa aos titulares de direitos.
Não estamos perante uma proposta de combate à pirataria. Estamos perante uma legislação que permite
aos cidadãos copiar sem cometerem um crime que é a pirataria.
Mas não é só a lei da cópia privada, aprovada em 2004, que está desatualizada. Também o regime que
regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão coletiva de direitos
de autor e conexos necessita de ser revista.
Passados tantos anos — desde 1983 —, já muito foi maturado e aferido relativamente às sociedades de
gestão de direitos. Foi ficando evidente que algumas reservas, apresentadas à data da sua discussão, vieram
a verificar-se. Nomeadamente, o facto de nem sempre ser evidente e transparente o relacionamento entre as
sociedades e os seus representados, com particular prejuízo para os demais utilizadores dos bens protegidos.
Ora, existia a necessidade não só de conformar esta legislação com a diretiva comunitária como de rever a
mesma nas áreas que dizem respeito à transparência, rigor e publicidade no relacionamento entre as
sociedades de gestão e os seus membros, mas também em relação aos utilizadores de obras protegidas.
Assim, a lei que o Governo hoje nos apresenta e que saúdo visa: resolver questões da gestão coletiva de
direitos que se colocam há anos; explicitar claramente a transparência exigida; criar acordos estáveis e
negociados entre os vários interesses em presença; e criar mecanismos de maior escrutínio, o que cria
vantagens e dinâmica no setor.
Teremos tempo, em sede de especialidade, de aprofundar estas matérias e, eventualmente, de introduzir
melhorias nas propostas apresentadas. Mas estou certa de que este caminho é justo e será compreendido de
forma integrada, porque acredito que estas medidas incentivam as indústrias culturais e criativas em toda a
sua cadeia de valor.