28 DE MARÇO DE 2015
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O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo
apresenta, hoje, três projetos de lei com implicações na propriedade e no acesso à terra. Estas são matérias
de complexidade e, por isso, não deviam ser tratadas quando o Governo está em fase de despedida, para
além de que o Governo apresenta projetos desta importância sem ter ouvido associações ou confederações
agrícolas, nomeadamente as representativas da pequena agricultura.
Esta não é altura para fazer alterações desta monta, mas o Governo, cumprindo o seu programa
ideológico, quer levar tão fundo quanto possível a consolidação dos grandes interesses e, tanto quanto
possível, ajustar as contas com as conquistas de Abril.
Na proposta que altera o regime de reconversões das áreas expropriadas no quadro da reforma agrária, o
Governo dá mais um passo para entregar aos grandes agrários as terras que outrora estiveram, e algumas
ainda estão, na posse de quem as trabalha.
Acontece que, se não todos, pelo menos, a larga maioria dos proprietários expropriados foram
indemnizados, donde, por vontade deste Governo, receberiam a terra que é do Estado e que lhes foi paga.
Primeiro, o Governo andou a tratar de retirar os rendeiros das parcelas arrendadas com diversas justificações
e, agora, legisla no sentido de que as parcelas sobre as quais não incida qualquer contrato de arrendamento
sejam entregues aos antigos proprietários. A não resposta da Sr.ª Ministra confirma que mentiu aos rendeiros
da Herdade dos Machados e que mentiu aqui, no Parlamento. Nada de novo neste Governo: sempre ao lado
dos grandes, sempre contra os mais pequenos.
Na legislação sobre o reconhecimento dos prédios sem dono conhecido, o Governo pretende colocar na
bolsa de terras e, posteriormente, reverter para o Estado prédios cujo dono se não conheça.
Ora, a melhor forma de reconhecer o dono de um prédio é realizar o cadastro rústico. Todo o empenho tem
de ser colocado na realização do cadastro. O Governo está a pensar nos prédios mais pequenos, nas terras
mais pobres, ou nos prédios de cidadãos que foram forçados a emigrar e que compraram na expectativa de
voltarem um dia para o nosso País. Quantos são os prédios de média e grande dimensão que estão na
situação de terra desconhecida? Muito provavelmente, nenhum. Faça-se primeiro o cadastro, perceba-se a
situação real e discutamos, nessa altura, as soluções necessárias para os problemas que se encontrarem.
Para além de que o dito «abandono das parcelas» nem sempre é de fácil comprovação, por exemplo, se
estivermos perante uma exploração florestal.
Mais ainda: o que promove o abandono é a falta de rentabilidade da atividade agro-silvo-pastoril, mas
sobre isso o Governo nada faz. Espera que os mercados, as PARCA e outros que tais resolvam o problema!
Esta legislação incidirá sobre parcelas de 200 ou 300 m2. O que espera o Governo conseguir com isto?
Há 40 anos a direita dizia que os comunistas queriam tirar a terra aos pequenos proprietários. Afinal — e
isso é hoje bem claro — quem esbulha os pequenos proprietários, os pequenos aforradores, os pequenos
viticultores são os senhores. É a direita!
Aplausos do PCP.
Veja-se bem: este Governo, que quer assim pôr em causa a pequena propriedade, está a tentar legislar
para entregar à grande propriedade terrenos que já lhe tinham sido pagos.
Quanto à legislação do emparcelamento, ela é, desde logo, um embuste. Os senhores chamam-lhe regime
de estruturação fundiária, mas, afinal, a legislação trata apenas do emparcelamento. Mas sobre a limitação à
dimensão da propriedade, nada. É necessária uma abordagem séria à distribuição de terras em sítios onde a
dimensão excessiva da propriedade sempre foi, e ainda é, um problema. Mas este Governo só tem uma
perspetiva: a concentração.
Nalguns casos, promover o aumento da concentração da propriedade não é benéfico. Mas também
nalguns casos isso nem é possível. Pior ainda: o Governo avança com legislação, mas não faz os
emparcelamentos da sua responsabilidade, como acontece no Baixo Mondego.
Nesta proposta, vimos também com preocupação a atribuição de algumas competências aos municípios
porque isso pulveriza a decisão, permitindo 308 decisões diferentes sobre o mesmo assunto. O facto é que a
Associação Nacional de Municípios Portugueses deu parecer desfavorável à proposta em causa.