I SÉRIE — NÚMERO 76
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pode ser negada ajuda! A Europa não pode ser uma fortaleza, que lamenta as mortes no mar mas que fecha
as portas àqueles e àquelas que cá querem entrar.
Os valores humanistas, solidários e de defesa da dignidade humana têm de vencer. É este o desafio da
civilização, é o desafio que está colocado a todas e a todos nós.
Hoje, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, estamos de luto. Amanhã, é tempo de soluções. Soluções
mais abrangentes, é verdade, mas também soluções imediatas, que coloquem a vida e a dignidade humana
em primeiro lugar.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Considerando as
sucessivas tragédias que se continuam a verificar quase diariamente no Mediterrâneo, Os Verdes expressam
também o seu pesar e indignação pela morte de mais de 1000 pessoas só nos mais recentes naufrágios,
homens, mulheres e crianças que fogem da guerra, da fome e da pobreza extrema.
Sabemos que há causas e responsáveis por esta grave situação, desde logo, a política de imigração da
União Europeia, a falta de apoio aos pobres em fuga da fome e da pobreza extrema naquelas regiões de
África e do Médio Oriente, e, por isso, também entendemos que a situação exige dos seus reais responsáveis,
especialmente dos governos da União Europeia, nomeadamente o Governo português, a assunção plena das
suas responsabilidades no que se refere ao esforço de uma mudança de políticas. Desde logo, de uma política
de imigração, porque é preciso alcançar a paz na região mediterrânica, através de políticas migratórias e de
asilo que sejam respeitadoras da vida e da dignidade humanas, solidárias e de progresso social, pelo respeito
do direito dos povos a decidir dos seus destinos.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Agora que todos os grupos parlamentares intervieram, quero também, em breves
palavras, juntar-me firmemente às intervenções que aqui tiveram lugar.
A dimensão gigantesca do absurdo que está nas imensas tragédias do Mediterrâneo desperta-nos a todos
para a nossa responsabilidade pelo mundo. Pois o que é a política senão isso mesmo, uma espécie de amor
pelo mundo que temos de exercer em cada dia e que cabe sobremaneira às lideranças, àqueles que foram
eleitos para a condução da vida de todos, para a criação de um bem comum?
Esta tragédia chama a atenção das lideranças e, sobretudo, das lideranças europeias, porque elas
carregam os valores dos direitos humanos nas suas estruturas institucionais e têm por isso um papel
fundamental de liderança na condução da convergência de ações que é necessária para resolver este
problema.
Este problema resolve-se a partir de uma política que olha os efeitos mas trata das causas. Trata pelas
políticas de desenvolvimento, trata pela política de diálogo ativo para evitar ou solucionar os grandes conflitos,
trata para tornar visível uma imensa mole de miséria no mundo, que nem sempre está sob a nossa atenção.
Não posso deixar de citar aqui Bertolt Brecht, quando dizia que a miséria lança as pessoas na obscuridade,
é a miséria que faz os homens invisíveis.
E talvez a imensa tragédia, que se soma a outras imensas tragédias, nos desperte finalmente, a nós
europeus, para a criação de soluções que verdadeiramente partem das causas.
Queria apenas também deixar aqui a memória da minha visita a Lampedusa, numa cerimónia em que
estiveram presentes os familiares das vítimas de outras tragédias que aconteceram há mais de um ano, num
dia em que as lágrimas se juntaram com as águas do mar, em que os gritos das famílias se misturaram com
os discursos, em que nós tivemos o poder impactante da vida sobre nós a despertar-nos.
Queria também fazer uma homenagem que normalmente fica esquecida e que me foi lembrada justamente
em Lampedusa pelas forças oficiais que operam no Mediterrâneo. É o papel da marinha mercante, a sua
solidariedade quase escondida, que não reclama nada. E disseram-me que os barcos de resgate não