I SÉRIE — NÚMERO 91
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Em suma, não obstante as dúvidas que estas matérias, até pela sua complexidade, podem suscitar, estou
certa, atendendo às alterações introduzidas, de que estamos perante mais um importante passo no contexto
da reforma da justiça, uma revisão que vai, aliás, no sentido de assegurar aquilo que tanto queremos:
celeridade e eficácia na resolução dos litígios jurídico-administrativos.
É, sem dúvida, uma revisão fundamental para restaurar a confiança e a credibilidade dos cidadãos no
Estado e na administração da justiça, hipotecada, aliás, Sr.ª Ministra, por um passado de reformas adiadas e
também pela falta de coragem política na assunção de decisões.
Bem anda o Governo e melhor ficará o Estado!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Há
uma matéria que nos parece que deveria merecer uma atenta discussão a propósito destas alterações
apresentadas à lei de processo nos tribunais administrativos e que tem a ver com o recurso à arbitragem.
Ainda neste mês de abril, fomos confrontados com a notícia de que o Estado vai ter de pagar 150 milhões
de euros à Brisa porque assim foi decidido num tribunal arbitral. Ou seja, a Brisa queixou-se pela introdução
de portagens na concessão da Costa de Prata e o Estado vai ter de lhe pagar uma indemnização de 150
milhões de euros e isso foi aceite por um tribunal arbitral.
Todos nós temos na memória a amarga experiência do navio Atlântida, em que, recorrendo a um tribunal
arbitral, o Estado desistiu de litigar. Ou seja, o Governo dos Açores não quis o navio e o tribunal arbitral
decidiu que os Estaleiros Navais de Viana do Castelo não só tinham de ficar com o navio a apodrecer como
ainda tinham de indemnizar o Governo Regional dos Açores em 40 milhões de euros. O que aconteceu foi
que, extintos os Estaleiros Navais de Viana, o navio foi vendido a preço de sucata a um particular que, por sua
vez, já o conseguiu vender por mais do triplo do preço por que o comprou.
Protestos da Deputada do PSD Ângela Guerra.
Todos nós temos, ainda, a amarga experiência do que foi o recurso aos tribunais arbitrais no caso do
hospital Amadora-Sintra.
Ora bem, isto para dizer o quê? Para dizer que contestamos vivamente que, em matéria de direito
administrativo e, mais ainda, se pensarmos que, nesta proposta de lei, se prevê que a validade dos atos
administrativos possa ser submetida a tribunais arbitrais, estamos aqui a subverter completamente o princípio
da legalidade administrativa…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — … de uma forma que, do nosso ponto de vista, suscita as maiores reservas
quanto à sua constitucionalidade. Porque o Estado tem de defender o interesse público, o Estado não pode
atuar como se fosse um particular, prescindindo dos seus direitos e prescindindo de uma avaliação da
legalidade dos atos do próprio Estado e da legalidade das relações jurídicas que se estabelecem entre o
Estado e os particulares.
O recurso à arbitragem é um recurso dos ricos. A arbitragem, em matéria fiscal, é um exemplo mais do que
elucidativo disso mesmo. Se um pobre cidadão deixar de pagar o IMI, levam-lhe couro e cabelo; se for um
grande devedor ao Estado, recorre à arbitragem e a dívida fica meio por meio e assistimos a um escandaloso
perdão fiscal.
Devo dizer que concordamos que o parecer que nos foi enviado pela Associação Sindical dos Juízes
Portugueses, o qual suscita as maiores dúvidas sobre esta possibilidade que se prevê de alargamento do
recurso à arbitragem, tanto mais que, em determinada disposição desta proposta de lei, se prevê que o Estado
possa ter de aceitar prescindir da possibilidade de recurso aos tribunais administrativos.