I SÉRIE — NÚMERO 93
58
Atente-se ainda ao disposto no Parecer do Conselho Superior de Magistratura (pág. 26), apresentado no
âmbito do debate na especialidade, onde opção semelhante no projeto de lei apresentado pelo Grupo
Parlamentar do PCP é qualificada como «desproporcionada» e «desconforme com os interesses a proteger».
Reiteramos, pois, que o alargamento deste tipo de incriminação a qualquer cidadão implicará a violação de
princípios essenciais do Direito Penal constitucionalmente consagrados, nomeadamente os princípios da
necessidade e da proporcionalidade. Não pode, a este propósito, ignorar-se a circunstância de, atualmente, o
nosso ordenamento jurídico já prever um elenco alargado de tipos de crimes económico-financeiros e fiscais
que cumpre os fins penais subjacentes à iniciativa legislativa em apreço.
A esta luz, o recurso ao catálogo agravado das modalidades de obtenção de prova representa em si
mesmo outro fator ilustrativo da manifesta desproporcionalidade da opção tomada.
Ao longo do debate na especialidade, que decorreu sempre de porta aberta porque assim o PS propôs,
ficou patente o empenho e disponibilidade do PS para aprovar soluções jurídicas que efetivamente pudessem
reforçar os mecanismos jurídicos de controlo e sanção das situações de enriquecimento injustificado, em
particular dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, no estrito respeito pelos direitos
fundamentais e pela Constituição.
Ao contrário, a maioria protagonizada por PSD e CDS-PP, incapaz de conduzir um necessário esforço de
consensualização, fazendo duvidar das suas reais intenções para melhorar o quadro legal em vigor e para
concretizar medidas, constitucionalmente viáveis, de reforço do rigor e transparência, inexplicavelmente, num
exercício de lamentável cinismo político, chumbou relevantes propostas do PS, que não eram incompatíveis
com o seu projeto de lei, nomeadamente:
i — O alargamento da obrigatoriedade de apresentação da declaração de património e rendimentos aos
altos dirigentes da administração direta e indireta do Estado, das autarquias locais e das regiões autónomas.
ii — No âmbito da lei do controlo da riqueza e do património, a criminalização da desconformidade da
declaração legal de rendimentos e bens apresentada pelos titulares de cargos políticos, no âmbito do respetivo
regime de controlo de património, com acréscimos patrimoniais fruídos ou revelados por aqueles e não
declarados, mediante a aplicação de pena de prisão até 3 anos.
iii — Ainda no regime de declaração dos rendimentos dos titulares de cargos políticos, o dever de
desagregação destes rendimentos com indicação das entidades pagadoras, no caso dos rendimentos do
trabalho dependente, ou, no caso do trabalho independente, quando se trate de regimes de avença.
iv — A proposta para que os acréscimos patrimoniais não justificados, nos termos do Código do IRS,
passassem em todo o caso, e autonomamente, a ser tributados à taxa especial de 80% (e não de 60% como
até aqui).
v — A proposta em que, de forma inovadora, por prazo de três anos, os representantes e os consultores
nomeados a título individual pelos governos, intervenientes em negociações de privatização ou de concessão
de ativos públicos, passassem a ficar inibidos de exercer funções nas entidades adquirentes ou
concessionárias.
vi — A proposta que vedava, identicamente, a ex-membros do governo a aceitação de quaisquer funções
de trabalho subordinado em organizações internacionais com as quais tenham estabelecido relações
institucionais, excetuando-se as situações de ingresso em instituições da União Europeia, bem como na
carreira pré-existente, por concurso ou mediante indicação pelo Estado português.
vii — A proposta que visava assegurar que as funções de Deputado fossem incompatíveis com o mandato
judicial ou a consultadoria não só contra o Estado ou outros entes públicos mas igualmente a favor destes e
em todos os tipos de jurisdição.
viii — A proposta que proibiria o Deputado de exercer funções em órgãos de instituições de crédito,
seguradoras e financeiras.
ix — A proposta que tornava obrigatória a criação de um registo público de interesses junto das
assembleias autárquicas, de âmbito municipal.
Cremos, por isso, que neste tema do enriquecimento ilícito, como em muitos outros, a perspetiva
maniqueísta, simplificadora e irredutível assumida pelas posições do PSD e do CDS-PP, apenas para retirar
fáceis e imediatos dividendos políticos, desqualificou uma vez mais o debate parlamentar e atentou contra a
seriedade e rigor da produção legislativa, como sucedeu anteriormente e novamente se comprovará,