I SÉRIE — NÚMERO 31
10
O Sr. João Ramos (PCP): — Este é um problema transversal às sociedades, é um problema dos países e
das suas economias que está relacionado com um outro problema, o da riqueza e a forma como esta é
distribuída. Também a forma como os alimentos são distribuídos, de modo desigual, ajudou a criar os problemas
que hoje são abordados, neste debate.
Discutir o desperdício e o aproveitamento dos alimentos é uma matéria importante pelas razões que acabei
de apontar. As políticas liberais e o capitalismo têm apostado na concentração da riqueza e, ao concentrar e
distribuir riqueza de forma desigual, está a contribuir para que estes e outros problemas se acentuem.
Há desperdício alimentar em alimentos confecionados e há, também, desperdício alimentar na fase de
produção de alimentos, como, aliás, já foi aqui abordado. Por isso, não podemos deixar de referir que o modelo
produtivo tem de ser também abordado. A produção de alimentos é feita em função do seu interesse económico
e não em função das necessidades alimentares e nutricionais para a Humanidade.
Outra matéria que é importante abordar em termos de desperdício de alimentação relaciona-se com as
questões da soberania alimentar. Para que os alimentos possam chegar a todos é preciso produzi-los. Nessa
matéria, o nosso País tem défices acentuados em alguns setores. O País tem défices muito acentuados em
produtos tão importantes como o feijão, o grão-de-bico, os cereais e algumas carnes. Soberania alimentar não
é uma matéria de menor importância e deve ser também encarada neste enquadramento.
Há, depois, e para terminar, questões da sustentabilidade. Para ter sustentabilidade na produção de
alimentos é fundamental que se aposte numa produção de proximidade que seja, paralelamente, uma produção
de qualidade e que também dê um contributo enorme e fundamental para o desenvolvimento do mundo rural,
nomeadamente para a fixação de populações.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Ramos (PCP): — Com tudo isto, quero dizer que se enquadra nesta matéria, perfeitamente, a
necessidade de valorizar a agricultura familiar, porque é aquela que faz produção de proximidade, de qualidade
e que dá um contributo fundamental para fixar as populações.
Acima de tudo — e mesmo a terminar —, é importante lembrar que, nestas matérias, uma parte deste
desperdício tem uma relação muito estreita com as regras da União Europeia e da integração europeia. Desde
logo, pela questão dos mercados e do peso que tem hoje a distribuição no acesso aos alimentos por parte das
populações. A grande distribuição domina 70% do mercado de acesso à alimentação e tem uma relação estreita
com esta matéria.
Por outro lado, ligada também com as regras da União Europeia, coloca-se a questão da normalização, que
já foi aqui abordada. Hoje, os alimentos valem mais pelo seu brilho e pelo seu tamanho do que pelo seu valor
alimentar, o seu valor nutricional. E isso não é por acaso, prende-se com as regras do mercado, com as regras
da União Europeia, sendo, pois, também preciso combater e equacionar essas regras.
Termino, dizendo que combater a fome e o desperdício alimentar passa também por enfrentar as políticas e
as opções políticas que os promovem.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do
Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas registar, com
satisfação, mais uma vez, o amplo consenso sobre esta matéria neste Parlamento e dizer que o Governo criou,
como a Sr.ª Deputada Júlia Rodrigues aqui referiu, e bem, a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício
Alimentar. Foi pena que tal tenha acontecido tão tardiamente, portanto achamos que devemos passar das
palavras aos atos, no imediato, e não perder mais tempo a discutir sobre esta matéria.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, ainda para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.