I SÉRIE — NÚMERO 31
6
Apresentamos ainda um outro projeto de resolução que corporiza um conjunto mais vasto de objetivos, dentro
de um quadro regulatório voluntário e não punitivo ou até obrigacionista, porque entendemos que o Estado deve
ter um papel regulador e facilitador.
Devem, por isso, no nosso entendimento, ser divulgadas e multiplicadas campanhas de recolha de produtos
diretamente no campo, porque o desperdício e a perda acontecem em todas as fases da cadeia alimentar, como
já aqui foi mencionado, e há um ótimo exemplo, que é o do projeto Restolho, no Ribatejo, que tem até o apoio
do Programa MAB (Man and the Biosphere), da Unesco, e que deve ser divulgado na União Europeia em todas
as instâncias.
Devem também ser encontradas formas de compensar os custos efetivos de logística e transporte e, ainda,
criadas condições para que seja revisto o quadro regulatório do Estatuto dos Benefícios Fiscais e do Código do
IRC.
Entendemos igualmente que devem ser criadas condições para um enquadramento legal favorável a que
haja uma cada vez maior comercialização de produtos não calibrados mas que têm toda a qualidade para
entrarem no mercado, de que é exemplo o projeto Fruta Feia.
Também entendemos que é imprescindível que a especificidade do setor agrícola seja considerada, porque
muitas vezes é atribuído o desperdício alimentar ao setor agrícola, quando, na prática, se trata de perdas
inegáveis que não é possível que não existam nos trabalhos do campo.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A segurança alimentar, a carência, a
fome e a soberania alimentar de cada país estão intrinsecamente relacionadas com a produção e a organização
do setor agrícola, que atualmente não podem ser desligadas da globalização e dos prevalecentes interesses do
capital financeiro, nacional e internacional.
Também nós, Bloco de Esquerda, não ignoramos a multiplicidade de fatores que contribuem para o
desperdício alimentar. Mas o projeto de resolução do Bloco de Esquerda incide sobre a relação que
consideramos crucial entre as condições em que se produz e as populações carentes de alimentos. Fazemo-lo,
porque consideramos importante basear a produção de alimentos em sistemas respeitadores do ambiente e da
biodiversidade, em harmonia com os territórios e com as necessidades das populações e, particularmente, dos
pequenos agricultores.
Porém, a alimentação mundial está atualmente na dependência de um sistema de produção e distribuição
controlado por meia dúzia de multinacionais, que se impõem agressivamente às economias locais de menor
escala. Ao nível alimentar, estamos reféns de grandes interesses do capital financeiro. O controlo, o fortíssimo
lobbying político e a extrema agressividade com que promovem os seus produtos denotam uma preocupação
única com o lucro, secundarizando a saúde, o equilíbrio alimentar e, crucialmente, o desperdício alimentar.
Combater os desperdícios e as perdas de bens alimentares implica enfrentar o desfasamento entre os
sistemas produtivos, a organização dos mercados e os hábitos de consumo.
Segundo a FAO, a quantidade de alimentos desperdiçados anualmente é de 1300 milhões de toneladas.
Este desperdício causa enormes perdas económicas e de recursos naturais, dos quais a humanidade depende
para se alimentar.
As maiores causas de desperdício nas regiões mais pobres estão na organização da produção, na
transformação, no armazenamento, na conservação e no transporte. Já nas sociedades mais ricas, o
desperdício resulta da desarticulação entre o consumo, o sistema de produção, a distribuição e o abastecimento.
Também em Portugal coexistem essas duas realidades.
As transformações que foram ocorrendo nos territórios rurais, sobretudo a partir dos anos 60, traduziram-se
na retração da agricultura e na influência do modo de vida urbano, da indústria e dos serviços no mundo rural.
Regiões e explorações ricas e produtivas, competitivas no mercado internacional, vivem a par de largas regiões
de pequenas e micro explorações, onde os agricultores sobrevivem a muito custo.
Gente rica que pode produzir e produz desperdícios vive a par de gente pobre, em pequenas explorações
que acumulam perdas por não poderem chegar ao mercado. Neste universo de pequenas e muito pequenas