I SÉRIE — NÚMERO 63
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O Sr. Hugo Pires (PS): — … que também nós, enquanto Deputados, prestamos um serviço aos portugueses,
também nós, enquanto Deputados, devemos assegurar o bom debate parlamentar, o melhor processo legislativo
e a qualidade da nossa democracia.
Só assim estaremos a prestar um bom serviço à República e, consequentemente, a prestar um bom serviço
aos consumidores, isto é, aos nossos eleitores, aos portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do Bloco de Esquerda, tem
a palavra o Sr. Deputado Paulino Ascenção.
O Sr. Paulino Ascenção (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar o CDS pelo
projeto de resolução que aqui nos traz, porque faz um reconhecimento da importância do consumo para o
crescimento económico, o que é algo novo e que contradiz aquele que tem sido o discurso habitual dos últimos
anos, desde o tempo em que estava no Governo. Será que isto significa uma inflexão estratégica da parte do
CDS?
Saúdo também o reconhecimento da fragilidade dos consumidores quando entregues à sorte do mercado,
que consta da exposição de motivos do projeto de resolução.
Mas, ao contrário do que está na fundamentação, o problema dessa fragilidade dos consumidores não
decorre da modernização da sociedade ou da especialização crescente das funções, decorre, sim, da
privatização, da liberalização e da desregulação dos mercados. Isso é que conduziu à situação de fragilidade
em que se encontram os consumidores. São referidos, em concreto, alguns setores de atividade, como a
eletricidade, as comunicações, o gás, que são serviços essenciais, precisamente os setores cuja privatização
foi acelerada ou terminada nos últimos anos.
Portanto, o CDS mostra-se preocupado, o PSD também, mas esta preocupação soa tão-só a hipocrisia,
porque não ataca a raiz dos problemas, mas pretende, no essencial, manter a situação e, até, levá-la cada vez
mais longe, privatizando outros setores, como a educação, a saúde, a água. Tudo é negócio.
O Sr. António Costa Silva (PSD): — E que proposta é que os senhores apresentaram?!
O Sr. Paulino Ascenção (BE): — As soluções apresentadas não passam de paliativos que mitigam os efeitos
mas não atuam nas causas, que disfarçam a febre mas não tratam a infeção. E a causa profunda destes
problemas é a verdadeira essência do sistema económico capitalista, que, com o seu foco no lucro, tudo permite.
Vale tudo em nome do lucro: a exploração das pessoas como mercadorias e a exploração dos consumidores,
obviamente, com um poder económico muito aquém do das grandes empresas.
O sistema capitalista assemelha-se a uma religião, com sacerdotes e missionários que nos entram pela casa
adentro com a sua doutrinação, nos telejornais, na publicidade, enganosa por definição, e, mesmo que a
realidade desminta sistematicamente as maravilhas propagandeadas, a fé mantém-se inabalável.
A boa gestão é coisa para quem sabe, para os empreendedores, esses super-homens, pessoas
extraordinárias na visão e na ambição. Esses é que sabem da boa governação das empresas e do Estado, e a
democracia vai ficando cada vez mais reduzida a um aspeto formal sem conteúdo, porque, depois, as escolhas
que são feitas através das eleições têm de se conformar com a vontade dos mercados, esses seres supremos.
A fraude sempre foi e continua a ser intrínseca ao sistema de produção capitalista. Isto ficou bem patente na
banca, nos produtos de alto risco com que os clientes foram ludibriados, nas aldrabices com as emissões de
gases no setor automóvel, ou, por exemplo, no fabrico do pão no século XIX, quando era frequente utilizar-se
pó de calcário branco em vez da farinha, porque era mais barato e mais pesado e não tinha efeitos no sabor.
Um facto relevante e significativo é que a primeira cooperativa que foi criada, os Pioneiros de Rochdale,
designava-se por «os honestos de Rochdale», precisamente como contraponto à fraude que era típica do
sistema capitalista então dominante, e a primeira padaria cooperativa designava-se por «Verídica» para marcar
a sua diferença em relação à fraude.
Defender os consumidores é reconhecer-lhes plena cidadania e não apenas aplicar paliativos sem efeito
concreto, é reconhecer-lhes o direito e o poder de participarem nas escolhas que os afetam na sua vida do seu