I SÉRIE — NÚMERO 90
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É por isso, então, necessário perceber o conjunto de princípios que nortearam Os Verdes na elaboração
deste projeto de lei e quais os limites que traçámos.
O nosso edifício jurídico-constitucional assenta na dignidade da pessoa humana, na dignidade de cada ser
humano, em concreto, e de todos, por consequência, o que implica o respeito pela autonomia pessoal num
contexto social.
Colocados perante um caso concreto de uma pessoa que padece, garantida e inequivocamente, de uma
doença sem cura, irreversível e fatal, causadora de um sofrimento intolerável e atroz que, sabendo
conscientemente que a agonia tortuosa é a única expressão de vida que conhecerá até ao dia da sua morte,
pede que, por compaixão, lhe permitam não continuar a viver essa realidade e que a ajudem a antecipar a morte
de forma tranquila e indolor, pergunta-se se a garantia da dignidade desta pessoa não passa por aceder ao seu
pedido, desde que com a certeza de que ele é consciente, genuíno, convicto e livre.
Deverá o Estado determinar que uma pessoa nesta condição perde a sua autonomia, a sua dignidade, a sua
liberdade de decidir sobre si mesma e sobre a sua própria vida, obrigando-a a sofrer atrozmente, quando não
existe outra solução, quando nenhum médico nem nenhuma técnica lhe podem erradicar essa dor e a situação
em que se encontra?!
Em casos extremos e com garantia de profunda consciência e capacidade por parte da pessoa em causa,
não se trata de o Estado desproteger a pessoa do direito à vida, trata-se, antes, de respeitar a vontade do titular
do direito à vida e de não lhe impor o dever ou a obrigação de viver a sofrer de forma grave e intolerável.
É nesse sentido que Os Verdes propõem que se despenalize a morte medicamente assistida, em situações
extremas e em condições muito bem definidas.
Que fique, portanto, claro que esta proposta não implica obrigar ninguém, repito, ninguém a escolher a
antecipação da sua morte ou que alguém decida pela pessoa em causa. Ninguém pode, de acordo com a
proposta de Os Verdes, ser sequer incitado ou aconselhado a fazer essa opção. De resto, a garantia de não
influência ou pressão de qualquer ordem sobre a pessoa em causa é um pressuposto que Os Verdes acautelam
no projeto que apresentam.
Na perspetiva de Os Verdes tanto deve ser respeitada a vontade de uma pessoa que não concebe a
antecipação da sua morte, perante uma situação limite de dor e sofrimento intolerável, causados por doença
terminal ou lesão ampla e irreversivelmente incapacitante, quanto a vontade de outra pessoa que, nessa mesma
situação, decide que a mesma acabe, breve e tranquilamente, através dos procedimentos da morte
medicamente assistida. É a vontade da pessoa, portanto, que deve ser respeitada e, para isso, o Estado não
deve proibir a possibilidade de se fazer essa opção em situações extremas e com processos muito bem
definidos.
O que se visa, efetivamente, garantir é que o princípio da proibição de atender à liberdade e à vontade da
pessoa dê lugar ao respeito pelo princípio da sua dignidade, da sua autonomia e da sua soberania, enquanto
pessoa capaz e consciente de determinar e escolher o que quer ou o que não quer da sua vida.
Chegados a este ponto, há sempre quem argumente que o que se pretende é trocar os cuidados paliativos
pela morte medicamente assistida e que se vai começar a pôr termo à vida das pessoas que estão em fase
terminal. Nada mais intolerável e fora do contexto da proposta de Os Verdes!
Uma coisa em nada, nada, implica com a outra. Existe uma Lei de Bases dos Cuidados Paliativos e se não
há maior investimento nesses cuidados, assim como nos cuidados continuados, é porque houve, ao longo dos
tempos, quem trocasse esse investimento pelos valores do défice e metesse sempre o défice à frente de tudo.
Que fique claro que a proposta de Os Verdes em nada, absolutamente nada, contribui para reduzir, aligeirar
ou desresponsabilizar o Estado relativamente ao seu dever de garantir o acesso dos doentes aos cuidados
paliativos e de assegurar uma boa rede destes cuidados, com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento físico,
psicológico, social e espiritual e melhorar o bem-estar e o apoio aos doentes e às suas famílias, quando
associado a doença grave ou incurável, em fase avançada e progressiva, como determina a lei.
Não é a despenalização da morte medicamente assistida, a pedido do doente e em casos extremos, que vai
retirar 1 cêntimo que seja ao investimento nos cuidados paliativos, até porque não implica a contratação de mais
médicos ou enfermeiros nem investimento em equipamento hospitalar. Do que se trata aqui é de permitir que
uma pessoa, em casos muito bem definidos, decida o que fazer do fim da sua vida. Não é o Estado que deve
decidir por ela, é a própria pessoa quem deve decidir, desde que garantidos determinados pressupostos, levando
a que seja respeitada a sua vontade, capaz, expressa e instante.