I SÉRIE — NÚMERO 90
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A votação sobre a legalização da eutanásia é a mais difícil decisão que em dois anos e meio, como Deputada,
fui obrigada a tomar. Votei favoravelmente. Fi-lo relativamente a um dos projetos de lei, ao projeto de lei n.º
832/XIII (3.ª), pelas razões que passarei a explicar. Até porque o meu sentido de voto estaria sempre
dependente, depois de uma análise ponderada e cuidadosa de cada uma das soluções apresentadas, dos
limites e das garantias dadas para o tema em apreço.
Respeitando a sua história em matérias de consciência, optou, como não poderia deixar de ser, o Partido
Social Democrata por dar liberdade de voto a todos os seus Deputados. É esta uma questão cuja resposta
depende, como nenhuma outra, das nossas mais profundas convicções pessoais, do nosso sentido de
moralidade e de dever, de acordo com aquelas que são as nossas experiências e do nosso quadro axiológico.
Nenhum partido é dono da consciência de ninguém e a liberdade de voto de cada um dos Deputados do Partido
Social Democrata demonstra e reitera precisamente isso mesmo.
Não sendo nova nem recente esta discussão, e ainda que a mesma pudesse ter sido sujeita a um referendo,
a verdade é que houve de facto um amplo e prolongado debate sobre o tema, não apenas na Assembleia da
República como na sociedade portuguesa. Desde 2016, o debate da morte assistida generalizou-se com o
lançamento do manifesto «Direito a morrer com dignidade». Importa a este propósito deixar claro, ainda assim,
que, para mim, a legalização da eutanásia se trata não da edificação de um qualquer direito a morrer. A questão
coloca-se ao nível da disposição individual e pessoal do direito à vida, da sua conformação com a autonomia e
da dignidade da pessoa humana, ou seja, da possibilidade de se dispor da própria vida em circunstâncias muito
especiais.
É inegável que a autodeterminação do doente através da exigência de consentimento informado tem ganho
particular expressão, seja desde logo na Lei de Bases da Saúde, seja mais recentemente através da regulação
das diretivas da vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, criando para o efeito o Registo
Nacional do Testamento Vital. E a este respeito importa referir que, sendo certo que a ordem jurídica passou a
consagrar o testamento vital, nos termos do qual cada um de nós poderá, por exemplo, manifestar o tipo de
tratamento ou os cuidados de saúde que pretende ou não receber quando estiver incapaz de expressar a sua
vontade, a verdade é que está longe de ser a resposta que por ora pretendemos dar a uma realidade que, não
sendo a ideal nem a desejável, importa atender, sem que com isso se procure negar a necessária
consciencialização e divulgação de um instrumento que já existe mas que muitos ainda não conhecem.
O que aqui está em discussão é a possibilidade de a lei consagrar a antecipação da morte por decisão da
própria pessoa, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal. Garante-
se que esta é praticada ou ajudada por profissionais de saúde, obedecendo esta decisão a um procedimento
clínico e legal, de forma a que decorra de uma vontade do próprio, atual, séria, livre e esclarecida.
Esta é, em primeiro lugar, uma decisão individual que não pode em circunstância alguma ser delegada em
terceiros, em que é o próprio titular do direito à vida que dispõe do mesmo, desde que verificada a circunstância
de estar numa situação de sofrimento atroz, num quadro em que a doença coloque em causa a sua dignidade
e sem que exista possibilidade de cura.
Importa-me numa visão garantística a salvaguarda da ponderação e da liberdade de escolha de cada doente.
A garantia é dada pelo facto de o médico ser escolhido pelo doente, de intervir o médico da especialidade da
patologia do paciente e de uma eventual intervenção de um médico psiquiatra, bem como decorre da existência
de uma comissão de verificação e avaliação do procedimento clínico de antecipação da morte e da intervenção
da Inspeção das Atividades em Saúde. Aliás, a intervenção em todo o processo de médicos, enfermeiros, juristas
e especialistas em bioética que compõem a Comissão de Verificação é uma das garantias de que esta não será
de todo uma decisão imponderada, condicionada ou motivada por qualquer outro fator que não seja a livre, firme
e reiterada vontade do doente.
Por outro lado, parece-me fundamental a garantia de que esta se trata de uma decisão tomada pelo próprio
no exato e preciso momento em que as circunstâncias se verificam. Daí que só mereça o meu voto favorável a
iniciativa legislativa que em caso de inconsciência garanta a interrupção do procedimento.
Sobre a questão da sua compatibilização com o quadro constitucional vigente, como referiu o Professor
Costa Andrade «a penalização e a despenalização de morte assistida são ambas constitucionais porque a