I SÉRIE — NÚMERO 90
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A vida, essa coisa mágica, essa realidade filosófica que nunca terá uma resposta, razão, ou equação, é o
ponto que me levou a não aprovar a atual lei da interrupção voluntária da gravidez. O meu limite sempre foi os
três registos que a ética também nos impõe — violação, risco para a saúde da mãe, malformação do feto.
Não importa regressar agora a este debate. Ele está hoje tão entranhado na nossa circunstância relativizada
que já nem a mais conservadora Irlanda se mantém na sombra do olhar tutelar da Igreja.
Entramos agora na questão da morte assistida, ou na eutanásia, por economia de conceitos.
Já acima referi a minha discordância e a minha circunstância de Deputado socialista minoritário. Importa
agora indicar as razões que já desenvolvi, em tempos e circunstâncias diversas, mas que estes dias obrigam a
recolocar.
Tenho para mim que é dever dos poderes públicos a preservaçãoda vida, não a conjugação das autorizações
para a sua eliminação. A ciência, como atrás já referi, dá-nos, a cada dia, surpreendentes notícias, concede-nos
um campo de novas oportunidades que deveremos assumir. Para mim, o Parlamento não pode conceder que
esta seja uma matéria de reserva de cada um e o sinal de que se pode «matar» não é um avanço, é, sim, um
recuo social.
Tenho para mim que a dignidade não se ganha com a conceção de um poder desesperado perante o
sofrimento, mas ganha-se olhando para esse sofrimento físico e psicológico e concedendo-lhe todos os meios
para o eliminar.
Tenho para mim que incumbe a todos nós um olhar sobre a responsabilidade para que a vida, toda a vida,
seja digna. Ora, a reivindicação de uma morte digna é, exatamente, o contrário do que devemos assumir
enquanto magma de valores, enquanto repositório de conquistas sobre o infortúnio.
Tenho para mim que o Estado deve apostar na vidao mais longa possível, na sua qualidade e valia, na
determinação de políticas onde cada um, seja qual for a sua juventude, assuma um papel, se consagre num
tempo de equilíbrio entre gerações. A autorização da morte antecipada, por razões físicas, mas também por
razões psicológicas, é o encurtar do nosso modelo de encontro da felicidade, é a resposta antecipada para um
tempo de indivíduos afastados do gregário. Desistir da vida começa num dia, em determinadas circunstâncias,
mas nunca mais para, alargando-se, em tempos posteriores, as razões para dela nos desprendermos.
Tenho para mim que, enquanto comunidade, deveremos olhar as fraquezas do regime legal do testamento
vital, a sua difusão e a promoção da adesão obrigatória, como também tenho o dever de exigir que se consagre,
no SNS, a rede adequada de cuidados paliativos.
Há, no meu partido, o Partido Socialista, a reivindicação permanente do humanismo, da sua relevância para
o nosso ser coletivo. É nesse mesmo humanismo que eu penso militar. Não o proclamo mas vivo-o, não o
dispenso só para ato distante dos amanhãs. É exatamente por isso que não posso estar lá, não posso concordar
com o caminho que nos sugerem. Foi exatamente por isso que votei contra.
O Deputado do PS, Ascenso Simões.
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No passado dia 29 de maio, os projetos de lei n.os 418/XIII (2.ª) (PAN), 773/XIII (3.ª) (BE), 832/XIII (3.ª) (PS)
e 838/XIII (3.ª) (Os Verdes) foram objeto de votação em reunião plenária. Votámos favoravelmente o projeto de
lei do Partido Socialista e abstivemo-nos nos restantes por considerarmos que as iniciativas mereciam
ponderações diferentes.
A despenalização da eutanásia é provavelmente o tema mais complexo e difícil desta legislatura. Ninguém
discute que viver é um direito e proteger a vida é um dever do Estado, e além disso todos concordamos na
importância de reforçarmos os cuidados paliativos no nosso país. A nossa convicção cristã também nos impele
para a defesa da vida e para o valor da vida, mas temos igualmente bem presente que cada indivíduo deve ser
livre e responsável pelas suas escolhas. Hoje, a antecipação da morte de alguém que sofre de forma extrema é
crime. Mas um doente com um sofrimento atroz, cruel, insuportável, permanente e em fase terminal de vida,
deve ser obrigado a viver, contra a sua vontade? Teremos nós o direito de impedir que seja ajudado alguém
que, perante um diagnóstico irreversível, com um sofrimento incomensurável, faça um pedido de forma livre,
consciente, informada, esclarecida, reiterada e isenta de dúvidas para que lhe abreviem a morte? A
despenalização consagrada na lei como um direito a que todos podem recorrer permitiria que cada pessoa