O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

I SÉRIE — NÚMERO 90

62

Por um lado, encontrávamos o pilar da situação clínica excecional, que em todos os projetos se apresentava

como condição sine qua non para que o pedido pudesse ser realizado pelo doente e que, ainda que em termos

terminológicos distintos (em questões de pormenor), apontavam apenas para casos de doenças incuráveis e

fatais particularmente graves e penosas para o doente.

Por outro lado, encontrávamos o pilar da vontade do doente, que se apresentava como claro em todos os

projetos e que apontava para uma ideia geral de que a decisão de fazer o pedido competiria unicamente ao

doente, baseando-se numa vontade livre, voluntária e esclarecida, havendo posteriormente uma série de

momentos no procedimento subsequente a esse pedido em que o doente tinha a hipótese de confirmar ou

reiterar o seu pedido por um grande número de vezes — quatro vezes no projeto de lei do PAN e até cinco vezes

nos demais —, o que assegurava uma autenticidade e certeza dessa vontade, sendo possível, a todo o tempo,

revogar o pedido, tendencialmente sem necessidade de qualquer fundamentação ou formalidade especifica, o

que traz o fim imediato do processo em curso sem possibilidade de reabertura, ainda que com possibilidade de

novo pedido no futuro.

Esta importância crucial atribuída à vontade do doente surge também na situação prevista, expressamente

nos projetos de lei do PAN, do BE e do PS e implicitamente no projeto de lei de Os Verdes, de perda de

consciência do doente, que traz a interrupção do procedimento até eventual posterior recuperação da

consciência pelo doente, sendo que só o BE permite que o procedimento prossiga se tal estiver consagrado na

Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo testamento vital.

De resto, diga-se que ainda que os projetos atribuíssem uma importância crucial a esta vontade do doente,

faziam-no de modo a não absolutizar essa vontade ou valorizá-la sem quaisquer limites, colocando para o efeito

dois limites que visavam assegurar precisamente a perfeição dessa vontade e a sua expressão em termos

efetivamente livres, conscientes, aceitáveis e equilibrados.

O primeiro desses limites surgia-nos pelo primeiro pilar, por mim já referido, que exige que haja uma situação

clínica muito específica e bem delimitada que faz com que o doente não possa requerer a eutanásia ou suicídio

medicamente assistido em qualquer situação que lhe aprouver.

O segundo desses limites surge-nos pela garantia de uma intervenção médica especializada: do médico a

quem o pedido foi dirigido, de um médico psiquiatra — sendo que só nos projetos de lei do PAN e de Os Verdes

esta intervenção é obrigatória, sendo facultativa nos demais — e de um médico especialista ou de uma comissão

especializada, em várias fases do procedimento. Isto visava assegurar o completo cumprimento da lei e a

integridade do pedido e da vontade do doente, sendo que o objetivo desta intervenção especializada era deixar

claro ao doente as implicações subjacentes ao seu pedido, verificar se as exigências legais e formais do pedido

eram cumpridas e se o doente gozava da idoneidade/capacidade psíquica exigível para formular o pedido,

impedindo-se, em caso negativo, o prosseguimento do procedimento, sendo que nuns projetos admitia-se

recurso ou reavaliação e noutros não.

Note-se que o direito de objeção de consciência destes médicos estava assegurado em todos os projetos de

lei e que, uma vez concluído todo este complexo procedimento, a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido

poderiam ocorrer em local indicado pelo doente (algo só admitido pelos projetos de lei do BE e do PS), ou

estabelecimentos de saúde públicos (só nestes segundo o projeto de lei de Os Verdes) ou privados (algo

admitido pelos demais projetos) e para o concretizar a disponibilização ou administração do fármaco letal seria

feita exclusivamente por médicos, segundo Os Verdes, por médicos com eventual auxílio de enfermeiros,

segundo o PAN, ou por médicos ou enfermeiros com supervisão médica, de acordo com o BE e o PS, conforme

os projetos de lei.

Assim, feito este breve enquadramento geral e comparativo dos quatro projetos que estiveram em discussão,

importa olhar para algumas das críticas apresentadas contra eles quer por indivíduos e organizações da

sociedade civil, nas semanas que antecederam o debate, quer pelos diversos Deputados em sede de discussão

em Plenário.

A primeira das críticas que surgiu, demonstrando uma clara desinformação e pouca seriedade intelectual, foi

a de comparar despenalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido (proposta pelo PAN, BE, PS

e Os Verdes) a uma eutanásia eugénica ou uma eutanásia social ou económica, dizendo-se que a aprovação

desta despenalização traria uma «licença para matar». Ora, face a esta crítica não posso contrapor senão a

minha indignação porque elas são críticas que desviam a discussão do essencial (o conteúdo dos quatro