I SÉRIE — NÚMERO 37
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anos 90, em que se relaciona a morte de abutres e de águias por insuficiência renal aguda após a ingestão de
tecidos de animais mortos que haviam sido medicados com diclofenac.
No entanto, consideramos que comparar a realidade portuguesa, ou até a da própria União Europeia, com a
realidade indiana dos anos 90, particularmente no que concerne a políticas e a práticas de eliminação de
cadáveres de animais mortos das explorações, é profundamente demagógico.
Portugal possui, há muitos anos, sistemas eficazes de recolha de cadáveres de animais mortos, assegurando
a eliminação dos animais que morrem nas explorações pecuárias, o que inviabiliza que os animais necrófagos
se alimentem de animais de produção.
Na União Europeia, a utilização do diclofenac para uso veterinário começou por ser autorizada em Itália a
partir de 1993 para bovinos, suínos e cavalos de desporto. Posteriormente, seguiram-se outras autorizações por
vários Estados-Membros.
No entanto, foi somente após a autorização dada a Espanha, em 2013, que algumas organizações
questionaram a Comissão Europeia e lhe comunicaram as suas reservas quanto ao risco para as populações
de aves necrófagas, preocupação esta igualmente fundamentada nos casos da Índia e do sudoeste asiático.
Consequentemente, medidas de mitigação do risco têm sido implementadas nos países da União onde este
princípio ativo está autorizado. Acresce, ainda, que as autorizações para o uso veterinário destes produtos são
baseadas na avaliação da conformidade com as exigências de diretivas europeias, incluindo sempre a avaliação
da segurança para o meio ambiente.
Sr.as e Srs. Deputados, temos conhecimento de que efetivamente se encontra em fase de avaliação técnica,
pelos peritos da DGAV um pedido de autorização para comercialização de um destes medicamentos
veterinários. Trata-se de uma questão técnica que exige a ponderação dos riscos, de acordo com protocolos
baseados em critérios científicos exigentes, implementados por técnicos qualificados para isso.
Mais ainda: há muito que Portugal está empenhado na recuperação e conservação de aves necrófagas,
demonstrando um cuidado especial com este grupo animal. Veja-se o envolvimento em projetos como o Life
Nature, já aqui referido pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Assim, decisões técnicas deste cariz deverão ser tomadas por quem se encontra certificado para tal, pois
serão certamente as mais assertivas na salvaguarda do bem-estar animal e da diversidade ambiental
portuguesa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos
Matias, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal é reconhecido como detentor
de uma fauna muito rica, entre a qual se destaca um pequeno efetivo de aves necrófagas. Falamos de espécies
criticamente em perigo, como a águia-imperial ibérica ou o abutre-negro, este com uma alguma recente
recuperação. Falamos também de espécies quase ameaçadas, como o grifo, o pequeno abutre do Egito — o
chamado «britango» — ou a águia-real.
Acontece que para estas aves necrófagas pode ser fatal a ingestão de produtos que incorporem o diclofenac,
como é o caso das carcaças de animais tratados com medicamentos que contenham este princípio ativo utilizado
na pecuária com efeitos analgésicos e anti-inflamatórios.
Por esta razão, em 2006, o produto foi proibido em países como a Índia, onde desapareceram milhões de
exemplares destas aves, sendo esse desaparecimento associado precisamente ao uso do diclofenac.
Embora seja autorizado em alguns poucos países europeus, o seu uso continua a suscitar controvérsia e a
ser denunciado como uma ameaça séria por diversas entidades credíveis, como a já referenciada Bird Life
Internacional.
Ora, no mínimo, o princípio da precaução impõe-nos a decisão do seu não uso.
A adoção de condicionantes ao uso do diclofenac, como a de apenas ser aplicado em animais estabulados,
por exemplo, não elimina totalmente o risco, pois em qualquer altura poderá falhar o controlo humano.