I SÉRIE — NÚMERO 69
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Esta não pode, não deve ser uma medida que não alarga a rede, que não leva o transporte onde o mesmo
não existe, que agudiza as desigualdades e que leve os excluídos a dizerem: «Passe social para quê se eu nem
transporte público tenho?»
Esta não deve ser uma medida para que quem fica de fora se sinta malogrado, duplamente penalizado, por
pagar e não ter benefício e por pagar ainda mais pela monumental encenação com o imposto sobre os
combustíveis e a taxa de carbono quando a sua situação de isolamento não lhe oferece qualquer alternativa de
mobilidade, sem escolha e sentindo que não conta, entregue a si próprio.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta proposta tem um erro crasso: onde não há oferta, na esmagadora
maioria dos casos não vai haver novas respostas, e isso é territorial e socialmente iníquo e tem de ser corrigido.
O programa não impõe a criação de novas rotas, não pondera movimentos inter-regionais, trata os territórios
de uma forma estanque como se os movimentos pendulares fossem exclusivamente delimitados por artificiais
ditames político-administrativos, quase como se se erguessem intransponíveis fronteiras, por exemplo entre o
Oeste, Santarém e Lisboa, ou Braga, Viana do Castelo e o Porto, ou outros tantos casos que nos são relatados
por responsáveis incrédulos.
Esta não devia ser — mas é — uma medida que o Governo teme que dê certo porque não foi devidamente
preparada. O Governo quer que dê certo, mas não tanto, quer apenas que vá dando certo!
E, se assim for, a equidade pode ser ainda mais colocada em causa, porque esta não é, ou não devia ser,
uma escolha que se situe no mero domínio da mera devolução de rendimentos a título indireto, porque não
distingue pobre, rico ou remediado, mas sim uma oportunidade ímpar para transformar decisivamente a
mobilidade e para realizar a igualdade de oportunidades a todos, a todo o País.
Por isso, esta escolha devia ser mais equilibrada. Há dezenas de concelhos do País sem transportes
públicos, muitas vezes porque não há escala, é verdade, e para esses tem de se construir um modelo de
proximidade para que as populações não sejam abandonadas. Isso exigiria uma redistribuição de recursos muito
diferente da que o Governo propõe, bem como medidas compensatórias para aqueles que não têm acesso.
Digam aos algarvios para utilizarem o comboio de Vila Real de Santo António a Lagos quando metade das
vezes o comboio não aparece e a outra metade demora mais de duas horas e trinta minutos para fazer o
percurso. Perguntem a quem quer ir de São João da Pesqueira ao Hospital de Vila Real. Perguntem aos
alentejanos que não têm comboio. Perguntem a todos esses que não têm isso mas têm autoestradas portajadas
quando os partidos, que fazem parte do arranjo político, lhes prometeram, à vez, ora a abolição ora reduções
substanciais e perentoriamente afirmavam a questão da mobilidade e das portagens como as mais
determinantes nesses territórios.
Aplausos do PSD.
Nesse sentido, sim, é uma medida injusta para muitos, ainda que nós concordemos que é imperativo
promover a sustentabilidade.
Mas esta é também uma medida que pode convidar ao desperdício: quando se propõe um passe familiar e
a partir do terceiro elemento do agregado familiar o passe é gratuito, estamos numa desenfreada corrida ao
desperdício, porque mesmo quem não necessite dele ou faça dele pouco uso vai requerer o passe e, desse
modo, os custos da medida aumentarão pela eventual necessidade de ressarcir os concessionários pela
capacidade instalada que devem assegurar.
Protestos do BE.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço para deixaram o orador continuar a sua intervenção.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Eu imagino que, atentas as últimas notícias, o adiamento da entrada em
vigor do passe familiar seja uma notícia muito mal recebida nas hostes do PS e em muitos gabinetes do Governo.
Risos do PS.