I SÉRIE — NÚMERO 103
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, não me leve a mal, mas se me tem pedido a
palavra para formular um pedido de esclarecimentos, tinha-lha dado. É que havia dúvidas sobre essa matéria,
no que diz respeito ao Regimento, mas a 1.ª Comissão elaborou um relatório que estabeleceu que, mesmo no
caso destas declarações políticas, é possível fazer perguntas aos Deputados, pelo que estava à vontade para
o fazer.
Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Margarida Mano, do PSD.
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Venho
hoje falar-vos de futuro. Não de um futuro difuso, de utopias, mas de um futuro definido à escala humana, que
tem aqui, no Parlamento, o rosto de todos aqueles que representamos.
O futuro é sempre surpreendente. E, no entanto, as pessoas têm a necessidade de o antecipar, de forma a
avaliarem as suas vidas e de se posicionarem no País e no planeta.
Também o Parlamento português tem a obrigação de prestar atenção para além do seu mandato, de «unir
os pontos» no presente, de olhar para trás, ao mesmo tempo que olha para a frente, assegurando a necessária
solidariedade geracional em que assenta a identidade de um povo e a sua sobrevivência.
Não é por acaso que escolho o tema do futuro para esta minha intervenção. Faço-o, essencialmente, por
três motivos.
Faço-o, antes de mais, porque esta é uma preocupação que me acompanha há muitos anos, presente no
cruzamento dos olhares sobre as diferentes experiências profissionais que fui colhendo, nas discussões
académicas ou, simplesmente, nas conversas de amigos que se preocupam com o impacto da revolução
tecnológica no conceito de trabalho, com a inevitável mudança no paradigma fiscal da distribuição de
rendimentos, ou com o clima e a potencial «sexta extinção».
O segundo motivo por que o faço é porque, apesar de alguns esforços que pude vivenciar, em particular no
grupo parlamentar e em dinâmicas do Partido Social Democrata, nenhum de nós duvidará de que este é um
tema ausente da atividade regular do nosso Parlamento.
Recentemente, o estudo da Fundação Calouste Gulbenkian diz que 94% dos discursos parlamentares sobre
o ambiente e sobre a dívida pública não falam sobre gerações vindouras; 96% dos nossos discursos sobre
segurança social não falam sobre as gerações futuras. E, no entanto, um grande número de decisões presentes
gera efeitos sobre as gerações seguintes.
Refugiamo-nos, no Parlamento, na criação de imagens e cenários que assentam em crenças, como a de que
as estruturas e tendências atuais se manterão e que as medidas de hoje farão sentido amanhã, ou que a
sociedade se tende a mover por certos valores ou ideologias, ou, ainda, que a história, de algum modo, se
repetirá. Mas o tempo não funciona assim! Que o digam, com as suas vidas, as crianças e os jovens.
Chego à terceira e última razão — não menos importante — para a escolha deste tema: fora do Parlamento
ouvem-se gritos por todos os lados, particularmente lancinantes, de crianças e jovens que nos chamam à razão.
O que dizer da jovem Greta Thunberg, que viu aquilo que nós não queremos ver e, com a força da convicção,
gritou aos líderes internacionais em Davos: «A nossa casa está a arder! Estou aqui para vos dizer que a nossa
casa está a arder!»?
É verdade que o rápido desenvolvimento das áreas tecnológicas oferece um grande potencial para melhorar
o bem-estar e gerar soluções inovadoras para os desafios globais, mas também coloca dificuldades exigentes,
que só não vê quem não quer ver. Não podemos ficar indiferentes!
Estamos neste Parlamento para servir o presente e preparar o futuro. Isso implica reflexão, analisar riscos,
pensar políticas públicas e construir plataformas de consenso. Ainda que ajamos a pensar no futuro, as
preocupações e os desafios deste são, muitas vezes, esquecidos. Perde-se, assim, a noção de continuidade,
de impacto e também de transparência.
É fundamental um garante de visão de longo prazo e memórias institucionais no funcionamento da
Assembleia da República.
O PSD irá, assim, propor uma «Comissão para o Futuro» na Assembleia da República, para a próxima
Legislatura, conforme anunciado pelo Presidente do Grupo Parlamentar, recentemente, em carta aberta ao
Presidente da Assembleia da República.
A análise prospetiva deve ter caráter transversal, abrangendo todas as áreas de governação, e requer um
espaço próprio e consequente no Parlamento.