I SÉRIE — NÚMERO 104
38
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que nos é apresentada
pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores visa resolver um problema de regularização dos chamados
«Chãos de Melhoras», uma ancestral e singular forma de separação entre a propriedade do solo e a das
edificações aí implantadas.
Como explica o preâmbulo do diploma, os «Chãos de Melhoras» concentram-se quase todos em zonas
delimitadas, estimando-se em cerca de 600 as pessoas afetadas. Ao Bloco de Esquerda, parece ir no bom
sentido a solução proposta para a criação de um direito potestativo temporário de aquisição da propriedade do
solo ou das edificações nele existentes e o estabelecimento de um regime de regularização urbanística e de
ordenamento do território. O prazo de 10 anos para esta operação parece-nos aceitável.
A ser aprovada esta solução, e quando for aplicada, o proprietário da edificação, entendida no seu sentido
mais lato — com anexos, por exemplo —, passará a ser também o titular do solo em que ela se implanta ou,
pelo contrário, o proprietário do terreno adquirirá as edificações que aí foram sendo construídas e mantidas.
Como regista o preâmbulo do diploma, a separação da propriedade do solo e da habitação torna precária a
habitação e diminui o seu valor patrimonial. Do mesmo passo, os proprietários das habitações veem-se também
confrontados com dificuldades na sua conservação, pois as instituições de crédito não lhes constituem hipotecas
apenas sobre edificações sem a reunião com a propriedade do solo e, dessa forma, vai-se degradando o parque
habitacional, frequentemente usado por pessoas de limitados recursos financeiros.
O sublinhado preambular, assim como a criação de um regime de incentivos exclusivos para a aquisição da
propriedade do solo, não das edificações, parece assentar no pressuposto de que deverá ser atribuída prioridade
à aquisição do solo por parte de quem constituiu e/ou mantém as edificações. Ou seja, ainda que tal não seja
perfeitamente explícito, parece assentar no justo princípio de que deverá prevalecer o direito à habitação;
simplesmente, depois, este bom pressuposto não tem tradução no restante articulado, que coloca em igual plano
o direito ao solo e o direito à habitação.
Na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o Bloco de Esquerda procurou superar esta fragilidade do
diploma propondo que o direito potestativo da aquisição fosse prioritariamente atribuído ao proprietário da
benfeitoria, desde que manifestasse expressamente essa pretensão. Visava-se a proteção da parte mais fraca,
impedindo que fiquem sem casa famílias humildes e de poucos recursos, a troco de uma pequena indemnização.
Esta alteração foi rejeitada nos Açores e, portanto, não foi incorporada nesta proposta de lei.
Esperamos que, entretanto, tenha surgido uma nova sensibilidade para o problema e que a proposta seja
acolhida aqui, em sede de discussão na especialidade.
Ainda assim, Sr.as e Srs. Deputados, cremos estarem criadas as condições para sair da Assembleia da
República um diploma que ajudará a resolver um problema que afeta a vida de centenas de açorianos e
açorianas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Berta Cabral, do Grupo
Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente: A proposta de lei que hoje apreciamos, da iniciativa da
Assembleia Legislativa Regional dos Açores, tem por objeto estabelecer um regime jurídico de regularização
dos chamados «Chãos de Melhoras».
Com esta proposta de lei, pretende-se resolver um problema que remonta ao século XIX e que tem a ver
com a existência de habitações construídas em terrenos de outros proprietários, mediante o pagamento de uma
renda, normalmente pecuniária e também normalmente paga ao ano.
Esta separação entre a propriedade do solo e a propriedade da habitação configura, efetivamente, um regime
singular existente nos Açores, em particular em algumas localidades da ilha de São Miguel, que, com o decorrer
do tempo, originou situações financeiras e também sociais complexas.
As situações financeiras complexas estão relacionadas com limitações na transmissão da propriedade, na
conservação e na ampliação das habitações existentes, associadas também, na maioria dos casos, à dificuldade
de obtenção de crédito e à constituição de hipotecas.