2 DE OUTUBRO DE 2020
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A acrescentar a este problema surge o facto de alguns destes valores serem alterados a meio do ciclo de
estudos. Os estudantes inscritos naquele ciclo de estudos em concreto, no mestrado ou no doutoramento,
devem ter o direito a programar a sua despesa a longo prazo, ou seja, durante todo o seu percurso académico.
Quando alguma instituição de ensino superior aumenta esses custos — e, em geral, aumenta-os sempre
substancialmente —, a probabilidade de abandono escolar aumenta também. Isso acontece agora, por exemplo,
na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em que, com o aumento do valor das propinas de mestrado,
muito possivelmente um conjunto de estudantes abandonará este ciclo de estudos. Estes estudantes
organizaram-se, endereçaram uma carta à Reitoria e estão em protesto. Por isso os saúdo, não só a eles como
também a todos aqueles que não desistem de um ensino superior democrático onde ninguém fica para trás.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. Luís Monteiro (BE): — A escolha, hoje, é a de evitar um panorama como aquele que se vive nos Estados Unidos, por exemplo, onde as dívidas que os estudantes contraíram em empréstimos para pagar as
suas propinas ascende a 1 bilião e 600 mil milhões de dólares. Podíamos até, em jeito de brincadeira, perguntar
se quem quer estudar pode vender a casa ou o carro. Muito possivelmente, estes estudantes não têm sequer
casa ou carro que possam vender para pagar os seus estudos.
Estamos hoje perante um problema que é político, social e económico, mas é também constitucional.
Precisamos de travar o abuso.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades» — isto é o que diz a nossa Constituição. Diz também a nossa
Constituição que ao Estado compete garantir, a todos os cidadãos, o acesso aos graus mais elevados do ensino
e estabelecer, progressivamente, a gratuitidade de todos os seus graus.
No entanto, e apesar da forte contestação dos estudantes, desde 1992 que o caminho adotado foi contrário
a estes desígnios. As propinas são um muro que foi sendo erguido ao longo de décadas, de Governo PSD em
Governo PS, uns e outros fazendo tábua rasa da importância do ensino superior e da sua universalidade.
Em vez de progressivamente gratuito, o ensino superior veio-se tornando progressivamente mais caro: de
indexada ao salário mínimo, como jurava o PS em 1997, a propina passou a atingir os dois salários mínimos —
1067 € quando terminou o último Governo PSD/CDS.
Só em 2016, com muita luta dos estudantes e com uma nova correlação de forças na Assembleia da
República, foi possível, pela primeira vez, congelar o valor da propina e, a partir daí, começar um caminho
inverso — lento, insuficiente, mas, pela primeira vez, em sentido descendente.
Desde que existem propinas que o PCP insiste na sua abolição. Perde-se a conta às vezes que
apresentámos a proposta aqui, nesta Assembleia, e que ela bateu de frente com aqueles que se dizem
preocupados com a igualdade de oportunidades e com o abandono escolar, mas que não deixam de ter um
olhar elitista sobre o ensino superior.
Esta não é apenas uma questão de assumirmos, enquanto País, que todos os jovens são, de facto, iguais
em direitos e oportunidades e podem chegar tão longe quanto desejem na sua formação. Para isso, é preciso
acabar com as propinas, reforçar a ação social escolar e também eliminar todos os fatores de desigualdade, na
autêntica corrida de obstáculos que vai deixando os filhos dos trabalhadores e dos que menos têm pelo caminho.
Ao manterem-se as propinas, o que está a ser dito é simples: só pode aceder a um curso, a um mestrado ou
a um doutoramento quem o puder pagar. É isto. Mas não é só: é também uma má opção política. Nenhum país
que se quer desenvolver negligencia o ensino, a ciência e a tecnologia e arreda milhares da formação superior
nem coloca as instituições de ensino superior a ter de procurar receitas próprias para sobreviver.