17 DE OUTUBRO DE 2020
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que, em nome de uma suposta justiça internacional, abria brechas no quadro jurídico-penal da Constituição da
República Portuguesa, levando Portugal a aceitar uma jurisdição que inclui a prisão perpétua nas suas molduras
penais, abrindo mão de uma histórica conquista civilizacional do direito português. A prisão perpétua foi abolida
no direito português em 1884 e expressamente proibida na Constituição da República Portuguesa de 1976.
Na medida em que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional não admite reservas, a sua aceitação pelo
nosso País representou um grave retrocesso na recusa constitucional da prisão perpétua.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Como bem alertou, então, o Prof. Vital Moreira, a Constituição deixou de conter todo o direito constitucional português, podendo ser derrogada, a qualquer momento, por qualquer revisão
do Estatuto do TPI, por mais perigosa ou contestável que seja.
O PCP não contestou a criação de uma instituição judiciária internacional destinada a julgar a prática de
crimes contra a humanidade segundo critérios de justiça e de imparcialidade, aliás, acolheu mesmo esse
propósito como meritório. Acabar com a impunidade dos autores de crimes que ofendem a consciência universal
e consagrar instrumentos de aplicação do direito internacional que escapem à lógica da justiça exercida pelos
vencedores contra os vencidos são propósitos em que nos revemos sem qualquer dúvida ou hesitação.
Dissemo-lo então e reafirmamo-lo hoje.
Só que o TPI não é isso. O TPI, tal como o configura o Estatuto de Roma e tal como é na realidade, não
permite acalentar esse objetivo. Um órgão de justiça internacional do qual se autoexcluíram as maiores
potências mundiais, como os Estados Unidos da América, a Rússia, a China e a Índia, ou o maior violador do
direito internacional, o Estado de Israel, não pode passar de um simulacro de tribunal,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — … não pode passar de um pseudotribunal que se arroga o direito de julgar os mais fracos, mas se conforma perante a absoluta impunidade dos mais fortes, porque, numa chamada
«comunidade internacional» em que impera a lei do mais forte, nem tem outro remédio.
Inserido numa ordem internacional injusta e dela dependente, o Tribunal Penal Internacional nada mais pode
fazer do que aplicar a injustiça. Não nos parece, pois, que a melhor forma de lutar contra o ecocídio seja incluí-
lo na jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, depois de eventuais porta-vozes vários, do Brasil ao Sr. Lukashenko, tentarei centrar a questão, que é importante, séria e relevante, mas confesso que tenho alguma
dúvida sobre como abordá-la aqui.
É que, se, por um lado, a questão é séria, sinceramente, a proposta do PAN parece-me pouco mais do que
um panfleto. É uma proposta absolutamente panfletária por várias razões que já foram explicadas por outros
grupos parlamentares, e é uma proposta panfletária até ao estilo de algum radicalismo, que — a Sr.ª Deputada
não me levará a mal — é o que vemos muitas vezes no PAN, algum radicalismo, seja animalista, seja uma
espécie de veganismo exaltado, seja o que for, com esse conteúdo panfletário.
Quero ainda dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que, em nossa opinião, incorre em vários erros. Curiosamente, os erros
não vão ser expostos por mim, mas foram expostos quando usou da palavra — e faço justiça ao PAN por não
ter sequer essa intenção — o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda. Ouviu o que é que ele quer? Ele quer, a
pretexto da vossa iniciativa, colocar as empresas e o capitalismo no banco dos réus e, quem sabe, mandá-los
para a prisão. E, eventualmente, não só mandar o capitalismo todo para a prisão — coisa que, de resto, nos
regimes que os senhores idolatram, sempre aconteceu — como condená-lo a prisão perpétua.
Ora, aí, aquilo que foi dito aqui recentemente faz algum sentido, porque, de facto, tivemos de fazer uma
revisão constitucional para integrar o Estatuto do Tribunal Penal Internacional na nossa ordem jurídica, porque