I SÉRIE — NÚMERO 36
32
vital é o papel daqueles que ensinam os nossos filhos, tratam dos nossos pais e avós, mantêm limpas as nossas
cidades ou velam pela nossa segurança.
Os últimos meses exigiram, particularmente dos professores, um esforço adicional. Na primeira fase do
confinamento, precisaram de aprender a ensinar de outra maneira. Passaram horas infindáveis à frente dos
computadores. Não desistiram dos alunos. Prejudicaram o seu espaço pessoal e o das suas famílias, com papéis
espalhados pelo sofá e em cima da mesa de jantar.
Depois, regressaram às escolas, mas já não tinham de levar apenas os livros. Também levavam máscaras
e essas máscaras têm um peso e têm um significado. A tarefa dos professores já não era só ensinar.
Precisavam, além disso, de velar pela segurança: pela sua segurança, pela segurança dos seus alunos e,
mediatamente, pela segurança de todos. É um pesado fardo. Tem sido um pesado fardo.
Neste ponto da nossa agenda, estão agrupadas várias iniciativas, mas há uma que merece tratamento
privilegiado. Refiro-me à petição que sustenta este agendamento — e cumprimento o Sindicato Independente
de Professores e Educadores, que a promoveu. É propósito desta petição que as agressões a professores sejam
consideradas crimes públicos. Também o projeto de lei do CDS pretende que os crimes praticados com violência
nas escolas e nas suas imediações passem a ser considerados crimes públicos.
Este projeto de lei do CDS é muito parecido com o projeto de lei do Chega, que foi objeto da nossa análise
no segundo ponto da agenda de hoje, e vamos admitir que só por causa dessa enorme semelhança é que o Sr.
Deputado Telmo Correia saiu tão veementemente em defesa do Chega, ausente, no ponto anterior da agenda
deste Plenário.
Aplausos do PS.
O projeto de lei do CDS tem várias dificuldades técnicas. Os erros de que o Sr. Deputado Telmo Correia
falava a propósito do projeto de lei do Chega manifestam-se aqui, mas existem nesta iniciativa outros erros
graves que são, aliás, referidos nos pareceres das entidades consultadas.
No parecer do Conselho Superior da Magistratura, por exemplo, são dados exemplos de situações em que
o projeto quer agravar penas que já estão agravadas, e mais do que no projeto do CDS, de outros casos em
que se pretende tornar públicos crimes que já são públicos e, ainda, hipóteses em que se pretende que sejam
tornados públicos crimes que não o devem ser. A conclusão do Conselho Superior da Magistratura é
transparente, e cito: «algumas das modificações preconizadas podem, na prática, acarretar mais problemas do
que aqueles a que procuram dar resposta».
Existe, porém, um problema de fundo na ideia de que se protegem as vítimas tornando públicos os crimes
praticados contra elas. Dizer isto assim é nem sequer compreender o critério de distinção entre um crime público,
por um lado, e um crime particular ou semipúblico, por outro. Um crime deve ser público quando o legislador
entende que o processo penal deve existir, independentemente da vontade da vítima, em nome da comunidade
toda, cujo interesse é considerado mais relevante do que o interesse das vítimas.
Sucede, com frequência, que as vítimas de um crime querem respostas diferentes daquelas que são dadas
pela justiça penal, respostas, por vezes, mais compensadoras e mais pacificadoras. Podem não querer expor a
sua privacidade no espaço público da justiça penal. Isto não é tido em conta nos crimes públicos, em que o
processo penal funciona em defesa da comunidade toda. E é precisamente em nome do respeito pela vontade
das vítimas que, em certos casos, os crimes devem ser considerados particulares, em sentido amplo, e o
procedimento criminal deve depender de queixa.
É, portanto, para nós, incompreensível que alguém, só porque é professor, se veja obrigado a intervir num
processo penal que, de outro modo, se o crime fosse particular, dependeria da manifestação da sua vontade.
Coisa diferente é saber se a queixa deve ter associada a realização de uma despesa. E a resposta é: não
deve, se a vítima não dispuser dos meios económicos para a suportar.
Sabemos que o esforço que tem sido exigido aos nossos professores é enorme e que muitos podem estar
cansados. E precisamos de lhes dar respostas. Alterar a lei penal é a resposta fácil e é a resposta que não custa
dinheiro. Mas, quando procuramos respostas verdadeiras, compreendemos que aquilo de que precisamos é de
perseverar na busca de uma educação mais inclusiva, de continuar a reforçar o número de psicólogos nas
escolas, da continuação do investimento no Programa Escola Segura ou nos programas de prevenção do