9 DE JANEIRO DE 2021
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A Deputada do PS, Isabel Oneto.
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Um Deputado apresentou a sua candidatura à Presidência da República, validada e aceite pelo Tribunal
Constitucional.
Trata-se de um Deputado único de um partido e que, por obrigações de campanha, levará a que esse mesmo
partido se desmereça na sua representação e nas obrigações parlamentares.
Uma interpretação tacanha do Estatuto dos Deputados e do Regimento da Assembleia da República negará
qualquer substituição. Porém, como demonstrou o Presidente da Comissão de Transparência, há soluções não
asnáticas que resolvem o problema.
O Parlamento misturou a questão de fundo com a pessoa do Deputado em concreto e isso é o que se lamenta
quando se avalia o enquadramento do mandato e a realidade do funcionamento da Assembleia da República.
Assembleia da República, 8 de janeiro de 2021.
O Deputado do PS, Ascenso Simões.
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Invocando a sua participação, enquanto candidato, nas eleições presidenciais, solicitou o Sr. Deputado André
Ventura a suspensão temporária — pelo período correspondente à campanha eleitoral, amplo sensu — do seu
mandato de Deputado, bem como a correspondente substituição, por idêntico período.
Sem cuidar de apreciar os termos da sustentação do pedido, cuja fundamentação, salvo melhor opinião,
revela bastante insuficiência jurídica, cingimo-nos ao essencial da questão.
Em primeiro lugar, verificando que inexiste norma expressa no Estatuto dos Deputados (ED) que trate
especialmente da situação em apreço, salienta-se que o n.º 3 do artigo 1.º do referido ED acolhe, como cláusula
de receção, a aplicação aos Deputados das «demais disposições legais aplicáveis». O que, no caso, tem
correspondência no artigo 6.º, n.º 1 da Lei Eleitoral para o Presidente da República que prevê que «Desde a
data da apresentação das candidaturas e até ao dia da eleição os candidatos têm direito à dispensa do exercício
das respetivas funções, sejam públicas ou privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o
direito a retribuição, como tempo de serviço efetivo». A referida norma, porque constante de lei orgânica (a Lei
Eleitoral para o Presidente da República), nos termos dos artigos 112.º e 166.º, n.º 1, da CRP, tem valor
reforçado e prevalece, também por essa razão, em relação ao Estatuto dos Deputados.
Tanto basta, pois, para reconhecer ao Deputado peticionário o direito, sem afetação, à não presença nos
trabalhos parlamentares por todo o período em causa.
Em segundo lugar, com relevância para os demais efeitos pretendidos, trata-se, no âmbito parlamentar, de
identificar as implicações jurídicas dessa «dispensa de exercício de funções».
Diz o n.º 2 do já citado artigo 6.º da Lei Eleitoral do Presidente da República que «os magistrados judiciais
ou do Ministério Público, os militares em funções de comando e os diplomatas chefes de missão, quando
candidatos, suspendem obrigatoriamente o exercício das respetivas funções». Nada refere a norma sobre a
figura a aplicar a Deputados em exercício. Nem teria de o referir pois essa é matéria, pela sua natureza, da
competência própria do órgão de soberania Assembleia da República. Porém, como já se referiu, o Estatuto dos
Deputados é omisso em relação à situação concreta em análise, não constando ela dos «motivos relevantes»
de substituição temporária elencados no n.º 2 do artigo 5.º.
Está-se, portanto, perante uma lacuna jurídica. Em face da qual, em sede de interpretação de normas, dois
caminhos se poderão aparentemente ter como admissíveis:
— Ou o do reconhecimento de um direito a «dispensa de exercício de funções», entendido como fundamento
de justificação de faltas por exercício de uma atividade política especialmente protegida na lei;
— Ou o do reconhecimento de um direito a «dispensa de exercício de funções», entendido como podendo
dar lugar a suspensão temporária de mandato (se tal for requerido, como foi o caso) e, em consequência,
aplicando-se as pertinentes disposições estatutárias, maxime a substituição temporária do Deputado (nos
termos do ED e da Lei Eleitoral para a Assembleia da República).